Resolução n.º 5766

PETIÇÃO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. CONSULTA POPULAR. CRIAÇÃO DE MUNICÍPIO. FERNANDES BELO. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. AMICUS CURIAE. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR FEDERAL. INEXISTÊNCIA. PEDIDO NÃO CONHECIDO.

1 - Preliminar de ingresso de Amicus Curiae: O pedido de ingresso de terceiro como amicus curiae não pode ser acolhido, haja vista a incompatibilidade com a celeridade processual exigida em casos eleitorais, conforme previsto no artigo 5º da Resolução-TSE nº 23.478/2016.

2 - Não se admite o conhecimento de pedido de consulta plebicistária antes de editada a Lei Complementar Federal prevista no artigo 18 da Constituição Federal de 1988. Precedentes. 

4 – Pedido de consulta plebiscitária não conhecido.

 

RESOLVEM os Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, por unanimidade, rejeitar a preliminar de ingresso de amicus curiae. Por maioria, não conhecer do pedido, nos termos do voto da Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna, que foi acompanhado pelo Desembargador José Maria Teixeira do Rosário e pelos Juízes Álvaro José Norat de Vasconcelos, Diogo Seixas Condurú e Rafael Fecury Nogueira. Vencido o Relator. Presidiu o julgamento o Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.

Belém, 21 de março de 2023.

 

Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna
Relatora

 

 

PODER JUDICIÁRIO 
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ  

PETIÇÃO CÍVEL (241) - 0600136-80.2022.6.14.0000 - Viseu - PARÁ.
INTERESSADO: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARA.

 

RELATÓRIO

 

O Senhor Juiz Edmar Silva Pereira: Trata-se de Ofício encaminhado pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará solicitando a realização de consulta plebiscitária no município de Marabá, para a criação do município de Fernandes Belo.

Instado a se manifestar, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou (ID 21096601) pelo não conhecimento do pedido e, caso conhecido, pelo seu indeferimento alegando que “o pedido não deve ser conhecido, por ausência de cumprimento de um dos requisitos constitucionais para o desmembramento de município, qual seja: a edição de lei complementar federal, sendo, inclusive, caso de julgamento monocrático pelo relator, consoante prevê o Regimento Interno do TRE/PA”.

Em despacho (ID 21098439), este relator informou não existir nos autos nenhum dos documentos que comprove o cumprimento dos requisitos insculpidos no art. 2º e incisos da Lei Complementar Estadual nº 074/2010, determinando que aquela Casa Legislativa apresentasse os referidos documentos, o que fora feito, conforme anexos das petições de IDs 21136976 e 21146384.

Posteriormente, a Confederação das Associações das Federações Emancipacionistas e Anexionistas do Brasil (CONFEAB), atravessou petição requerendo o ingresso nos autos como amicus curiae ( ID 21349075).

É o relatório.

 

VOTO

 

O Senhor Juiz Edmar Silva Pereira (Relator): Conforme relatado, trata-se de Pedido para a realização de consulta plebiscitária para a criação do município de Fernandes Belo.

Considerando que uma petição foi apresentada visando solicitar o ingresso como amicus curiae, passarei preliminarmente a examiná-la.

PRELIMINAR DE INGRESSO DE AMICUS CURIAE.

No processo em questão, há um pedido de ingresso como amicus curiae (terceiro interessado) feito pela Confederação das Associações das Federações Emancipacionistas e Anexionistas do Brasil (CONFEAB), acompanhado pelos documentos necessários. Essa é uma modalidade de intervenção de terceiros prevista no CPC/2015.

A Resolução TSE n.º 23.478/2016 estabeleceu as diretrizes gerais para a aplicação do Novo Código de Processo Civil na Justiça Eleitoral e incorporou o princípio da subsidiariedade. Isso delimitou a aplicação do CPC no processo eleitoral.

No art. 138 do CPC, é prevista a possibilidade de solicitação ou admissão da participação de pessoa natural, ou jurídica, órgão ou entidade especializada como amicus curiae. No entanto, o art. 5º da Resolução TSE n.º 23.478/2016 estabelece que o instituto do amicus curiae não se aplica aos feitos eleitorais.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral reforça essa posição. Em uma decisão proferida no dia 12 de dezembro de 2019, nos autos do AgR-AC no 0600628-67/DF, com relatoria do Ministro Og Fernandes, publicada no DJe de 2.9.2020, o TSE se pronunciou sobre a necessidade de cautela na admissão de terceiros em processos eleitorais, para evitar possíveis tumultos e atrasos no procedimento.

Essa restrição é justificada pela especificidade da matéria eleitoral, que envolve questões políticas e a aplicação de normas específicas que não se aplicam em outros ramos do direito. Além disso, o sistema eleitoral já possui mecanismos específicos para a participação de terceiros interessados, como partidos políticos e coligações.

Assim, diante dos argumentos apresentados, rejeito a preliminar de ingresso de amicus curiae.

 

MÉRITO.

Após superar a questão preliminar, examinaremos o mérito.

A EC nº 15/96 alterou o artigo 18, parágrafo 4° da Constituição Federal, que trata da criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios. Agora, tais atos só podem ser confirmados por lei estadual em período determinado por lei complementar federal, após estudos de viabilidade e consulta prévia às populações envolvidas por meio de plebiscito. In litteris:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (…)

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei (destacou-se).

Esta Corte, no julgamento da Petição n° 0600021-64.2019 que tratava sobre o pedido para a realização de plebiscito no Distrito de Castelo dos Sonhos, no Município de Altamira, assentou o entendimento de que, em que pese a não edição de lei complementar federal, a competência da Justiça Eleitoral quando já há decisão da Assembleia Legislativa para realização de plebiscito em municípios, restringe-se aos procedimentos de preparação do pleito, a teor dos incisos I, II, III, IV do art. 8° da Lei n° 9.709/1998.

Vale ressaltar que a competência para a efetiva criação do município é do Poder Legislativo Estadual, da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, por meio da Lei Estadual que determinará a referida criação, da forma prevista no §4° do art. 18 da Constituição Federal, não dependendo explicitamente de autorização judicial.

 Nesse sentido, o aspecto da criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, antes da Lei Complementar Federal que se refere o §4° do art. 18, bem como antes da efetiva criação de lei Estadual que autorize o desmembramento e criação do novo município, restringe-se a apreciar a observância dos requisitos previstos na ordem jurídica em vigor, uma vez que, cumpridos os requisitos da elaboração do estudo da viabilidade municipal e da realização do plebiscito, poderá a Assembleia Legislativa do Pará aguardar a tão almejada promulgação da Lei Complementar Federal e, aproveitando os atos e pressupostos constitucionais já praticados, repise-se, estudo de viabilidade municipal e plebiscito, editar Lei Estadual autorizativa de desmembramento e criação do novo município.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal decidiu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.992 – Rondônia, em 11 de setembro de 2014, da seguinte forma:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei 2.264/2010, do Estado de Rondônia, que dispõe sobre a criação do Município de Extrema de Rondônia, a partir de desmembramento de área territorial do Município de Porto Velho, fixa os seus limites, bem como informa os Distritos que integrarão a municipalidade criada. 3. Autorização, pelo Tribunal Superior Eleitoral, apenas para realização de consulta plebiscitária. 4. Violação ao art. 18, § 4º, da Constituição Federal. Inexistência de Lei Complementar Federal. Impossibilidade de criação, fusão, incorporação ou desmembramento de novos municípios antes do advento dessa legislação. Precedentes. 5.  A Emenda Constitucional nº 57/2008 não socorre a lei impugnada, editada no ano de 2010. 6. Medida cautelar confirmada. 7. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.

(STF - ADIn: 4.992, Relator: Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 12-11- 2014 PUBLIC 13-11-2014).

Veja-se pela referida decisão, que o Tribunal Superior Eleitoral apenas autorizou a realização do plebiscito, ficando impossibilitada a criação do ente político ante a ausência de Lei Complementar Federal.

No respectivo voto da ADI, o Min. Gilmar Mendes assim consigna:

[...] Impende realçar, mais uma vez, que não estará o Tribunal Superior Eleitoral autorizando a criação do município, tema que não se inclui no âmbito de sua competência, mas apenas, em consonância com o decidido na origem, viabilizando a realização de consulta prévia.

Dessa forma, compete à Justiça Eleitoral, verificar o cumprimento dos requisitos legais para, então, autorizar a consulta popular, mas cuja criação do município ficará a cargo da Casa Legislativa Estadual, após sanção de lei complementar federal.

Feitas estas considerações iniciais, registro que o caso em análise refere-se ao pedido de realização de consulta plebiscitária para a criação do município de Fernandes Belo, requerido pela Assembleia Legislativa do Pará, conforme lei complementar estadual nº 74/2010, cujos requisitos estão assim transcritos:

Art. 2° Nenhum município será criado sem a verificação da existência, na respectiva área territorial ou na área territorial a ser desmembrada dos seguintes requisitos:

I - população superior a cinco mil habitantes;

II - eleitorado não inferior a dois mil eleitores de sua população;

III - centro urbano já constituído, com número de prédios residenciais, comerciais e públicos superior a quatrocentos;

IV - estimativa de receitas:

a) fiscal, da área que irá formar o novo município, atestada pelo órgão fazendário municipal, com base na projeção dos tributos próprios a serem arrecadados e estadual, com base na arrecadação do ano anterior ao da arrecadação do estudo de viabilidade, considerando apenas os agentes econômicos já instalados;

b) provenientes de transferências estaduais e federais.

V - estimativa do custo de administração do município, inclusive:

a) remuneração do prefeito, vice-prefeito, vereadores e dos servidores públicos da Administração Direta;

b) despesas de custeio dos órgãos da Administração Direta;

c) despesas com a prestação dos serviços públicos de interesse local e com a parcela dos serviços de educação e saúde a cargo do município.

VI - existência de equipamentos sociais e de infraestrutura compatíveis com as necessidades da população, tais como:

a) rede de distribuição de energia elétrica;

b) escolas de educação infantil, ensino fundamental e médio;

c) posto de atenção primaria à saúde;

d) estrutura de atendimento em segurança pública;

e) sistema de telefonia pública, comercial e residencial;

f) edificações com condições para a instalação da prefeitura e da câmara municipal;

g) estabelecimento de venda a varejo de combustível para veículos e gás de cozinha;

h) posto de serviços dos correios.

§ 1° Não será permitido desmembramento ou a criação de novo município ou desmembramento se essa medida implicar:

I - para o município de origem, na perda dos requisitos desta Lei Complementar;

II - descontinuidade territorial;

III - perda, pelo município de origem, de mais de 50% (cinqüenta por cento) das receitas tributárias próprias e de transferências.

§ 2° Na análise da viabilidade econômica devem ser considerados a existência de saldo positivo na comparação entre os valores apurados nos incisos IV e V deste artigo.

Art. 3° As informações de atendimento dos requisitos de que cuidam os incisos I, II, III, IV, V e VI do art. 2°, serão solicitadas pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará, em caráter de urgência, aos seguintes órgãos:

I - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos, relativa aos incisos I e III;

II - Justiça Eleitoral, mediante certidão do cartório da zona do município de origem, relativa ao inciso II;

III - Prefeitura Municipal de origem sobre o cumprimento das exigências do inciso VI;

IV - Secretaria de Estado da Fazenda e Secretaria do Tesouro Nacional sobre as receitas de que trata o inciso IV;

V - Comissão de Divisão Administrativa do Estado e Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa do Estado do Pará sobre o atendimento do inciso V.

Parágrafo único. Os órgãos de que trata este artigo apresentarão as informações no prazo máximo de sessenta dias a contar do recebimento da solicitação da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, cabendo a esta, se inobservado o prazo, atestar o atendimento ou não dos requisitos desta Lei Complementar, dentro de trinta dias, com fundamento em documentos idôneos de comprovação.

[...]

Art. 5° O processo de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios, terá início mediante requerimento de deputado ou de entidade, através de Projeto de Iniciativa Compartilhada, instruído com representação dirigida à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, assinada, por, no mínimo, cem eleitores domiciliados na área territorial a ser emancipada, desmembrada ou incorporada, ou em cada um dos municípios a serem fundidos, com as respectivas firmas reconhecidas.

§ 1º Do projeto de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios, deverá constar memorial descritivo, georreferenciado, acompanhado de sua representação cartográfica fornecida pelo IBGE ou SEPE.

[...]

Art. 6° Recebido o requerimento ou a solicitação, a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa realizará os Estudos de Viabilidade Municipal, mediante avaliação dos requisitos previstos nesta Lei Complementar, podendo, para esse fim, instruir os processos de alterações territoriais com as diligências que se fizerem necessárias à obtenção da fidelidade das informações.

Parágrafo único. A Mesa Diretora poderá, a seu critério, constituir Comissão Temporária, composta de dez deputados, respeitada a composição pela proporcionalidade partidária para mediante delegação formal de poderes, realizar os Estudos de Viabilidade Municipal de que trata este artigo, sendo assessorada, diretamente, pela Comissão de Divisão Administrativa do Estado e Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa do Estado do Pará.

Art. 7° Constatado pela Mesa Diretora ou Comissão Temporária responsável pelos Estudos de Viabilidade Municipal, o atendimento aos requisitos previstos nesta Lei Complementar, a Presidência da Assembleia Legislativa do Estado do Pará fará publicar no Diário Oficial do Estado relatório resumido, no qual conste as especificações de área territorial, exigidas nesta Lei como condições para a criação, incorporação, fusão e o desmembramento de municípios.

Parágrafo único. Cabe a parte requerente, interpor recurso à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, no prazo de quinze dias, a contar da publicação do relatório resumido, sobre as informações prestadas sobre os órgãos de que trata o art. 3° desta Lei Complementar.

Analisando os documentos juntados pelo requerente, que se trata de cópia integral do projeto de decreto que originou o Decreto Legislativo nº 06/2022, constato a ausência de dois requisitos acima transcritos, a “representação cartográfica fornecida pelo IBGE ou SEPE” do local, e a publicação, no Diário Oficial do Estado, do “relatório resumido, no qual conste as especificações de área territorial, exigidas nesta Lei como condições para a criação, incorporação, fusão e o desmembramento de municípios.”

Em razão disso, no caso sub examine, entendo ausentes os requisitos exigidos para a viabilização da consulta popular, o que resulta na impossibilidade de sua ratificação.

Pelo exposto, voto pelo INDEFERIMENTO do pedido de consulta plebiscitária requerido pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará para a criação do município de Fernandes Belo.

É como voto.

Belém, 28 de fevereiro de 2023.

 

Juiz Edmar Silva Pereira
Relator

 

PODER JUDICIÁRIO 
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ  


PETIÇÃO CÍVEL (241) - 0600136-80.2022.6.14.0000 - Viseu - PARÁ.
INTERESSADO: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARA.

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

A Senhora Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna: Pedindo todas as vênias ao excelentíssimo relator, apresento divergência, por considerar, alinhada ao entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, que o pedido de realização de consulta plebiscitária, formulado pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará, não deve ser conhecido. Explico:

O procedimento de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Municípios está previsto no art. 18, § 4º, da Constituição Federal, que assim dispõe:  

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

(...)

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

Contudo, é pacífico o entendimento jurisprudencial e doutrinário que o artigo supramencionado carece de aplicabilidade até o momento, tendo em vista a ausência de Lei Complementar Federal regulamentadora. Esse é o entendimento trilhado pelo TSE desde 2006, destaco:  

PLEBISCITO. DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIO. HOMOLOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MORA LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL.

  1. O § 4º do art. 18 da Constituição condiciona a lei estadual de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Município que venha a ser publicada após 31 de dezembro de 2006 a três requisitos cumulativos, dentre os quais o cumprimento de prazo estipulado em lei complementar federal, cuja mora legislativa já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
  2. Não se justifica a realização de gastos e dispêndio de recursos com consulta popular que, pelo não advento da lei complementar federal, não poderia alcançar seu fim último em razão da inconstitucionalidade de eventual lei estadual de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Município. Assim, enquanto não editada a lei complementar prevista no § 4º do art. 18 da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral não deve realizar plebiscitos para criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios.
  3. Inocorrência de gasto extra no caso concreto, em razão do plebiscito ter sido realizado juntamente com as eleições.
  4. Pedido de homologação negado, por unanimidade.

(Processo Administrativo nº 2745, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo  168, Página 81).

Destaco ainda que, em 2020, este Tribunal autorizou a realização de um  plebiscito em Castelo dos Sonhos nos autos da Petição Cível 0600065-49.2020.6.14.0000 de relatoria da Juíza Luzimara Costa Moura. 

Todavia, a Resolução 5.655, que dava cumprimento à decisão, foi objeto de Mandado de Segurança de relatoria do Juiz Diogo Seixas Condurú e, na concessão da segurança, esta Corte reverteu o entendimento firmado anteriormente, para acompanhar o entendimento mais atual do TSE, no sentido de que não é possível a realização de plebiscito antes de Lei Complementar Federal que regulamente a possibilidade do desmembramento da fusão de municípios.  E esse vem sendo o entendimento trilhado por esse tribunal ao longo desses dois anos:

MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO Nº 5.655/2020. CONSULTA PLEBISCITÁRIA PARA EMANCIPAÇÃO DOS DISTRITOS DE CASTELO DOS SONHOS E CACHOEIRA DA SERRA DO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA. CONSULTA. EXIGÊNCIA. EDIÇÃO. LEI COMPLEMENTAR FEDERAL. ARTIGO 18, § 4º, DA CF. PRESSUPOSTO INEXISTENTE. CONCESSÃO DA ORDEM. PRECEDENTES.

  1. Em que pese a norma impugnada vise tão somente a realização de consulta plebiscitária, não se pode ignorar, no caso concreto, o comando do art. 18, § 4º, da CF, com redação dada pela EC nº 15/1996, que exige, para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios, a edição de lei complementar federal, ainda não existente.
  2. É firme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que enquanto não editada a Lei Federal prevista no artigo 18 da Carta da República, revela-se imprópria a realização de plebiscito visando a definir criação, incorporação, fusão e desmembramento de município, pois se justifica a realização de gastos e dispêndio de recursos com consulta popular que, pelo não advento da referida norma complementar, não poderia alcançar seu fim último que a criação, incorporação, fusão ou desmembramento de município.
  3. Ademais, diante da inércia do Congresso Nacional, o TSE vem indeferindo os pedidos de homologação de consulta plebiscitária, mormente se considerada a possibilidade de deturpação da vontade popular, caso o pedido venha a ser deferido sob a condição de edição futura do referido normativo federal.
  4. Mandado de segurança confirmado para anulação da Resolução TRE/PA nº 5.655/2020.

(Mandado de Segurança nº 060001576, Acórdão de , Relator(a) Des. JUIZ DIOGO SEIXAS CONDURÚ, Publicação:  DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo  189, Data 30/09/2021, Página 21).

Reforço ainda que, no final do ano de 2022, tivemos vários julgamentos relacionados à possibilidade de desmembramento de municípios. Um deles, inclusive, foi de minha relatoria, e o eminente relator destes autos, o Juiz Edmar Silva Pereira, abriu divergência e ficou vencido naquele momento. 

Pelo exposto, peço mais uma vez todas as vênias ao ilustre relator, para NÃO CONHECER do pedido de realização de consulta plebiscitária, formulado pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará.

É como voto.  

Belém, 22 de março de 2023.

 

Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna

* Este texto não substitui o publicado no DJE TRE-PA, de 14/06/2023