Resolução n.º 5702
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. AVOCAÇÃO INDEVIDA DA GUARDA DO SUPRIMENTO DE FUNDOS DAS ELEIÇÕES DE 2018 NA 16ª ZONA ELEITORAL DE AFUÁ/PA. NÃO CONFIGURADA. DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO PRÓPRIA DO SUPRIDO (CHEFE DE CARTÓRIO) AO SERVIDOR TERCEIRIZADO WELTON ROBERTO PACHECO AVELAR. IMPROCEDENTE. CONTRATO COM EMPRESA TERCEIRIZADA. FALTA DE URBANIDADE DO JUIZ ELEITORAL REPRESENTADO NO TRATO DOS SERVIDORES. IMPROCEDENTE. CONTRIBUIÇÃO PARA A IRREGULARIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS REFERENTE AO SUPRIMENTO DE FUNDOS DAS ELEIÇÕES DE 2018 NO VALOR DE R$ 2.700,00 (DOIS MIL E SETECENTOS REAIS). IMPROCEDENTE. PRESTAÇÃO DE CONTAS REGULARIZADA. TRATAMENTO DISPENSADO A TÉCNICOS DE URNA INCOMPATÍVEL COM OS DEVERES DA MAGISTRATURA. IMPROCEDENTE. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA CONTRATANTE E DO CHEFE DE CARTÓRIO, ALÉM DO MAGISTRADO. DEMANDA REFERENTE AO SUPRIMENTO DE FUNDOS DAS ELEIÇÕES DE 2016. IMPROCEDENTE. NENHUMA IRREGULARIDADE ENCONTRADA NAS CONTAS. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR JULGADO IMPROCEDENTE.
1. A suposta avocação realizada pelo magistrado quanto à guarda do suprimento de fundos das eleições 2020 foi devidamente justificada, devido ao defeito apresentado pelo cofre do cartório eleitoral, além do fato de o vultoso numerário se encontrar guardado de forma precária nas dependências do cartório, sem qualquer segurança.
2. Quanto à suposta delegação indevida de atribuições próprias de chefe de cartório a servidor terceirizado, a instrução processual demonstrou que as funções por ele desempenhadas advinham de contrato firmado com a empresa responsável pela logística das eleições, resumindo-se à contratação de barqueiros.
3. A falta de urbanidade da qual o magistrado processado foi acusado aconteceu em momentos totalmente isolados e, apesar de ter sido notada alteração no tom de voz do magistrado, além de outras atitudes, nenhuma das testemunhas soube precisar o que fora dito, considerando o cuidado do processado em admoestar o chefe de cartório em ambiente particular, sem exposição pública.
4. No que tange à contribuição para julgamento das contas de 2020 como irregulares, ficou demonstrado que as contas inicialmente consideradas em alcance foram posteriormente regularizadas. Ademais, foi apresentado o recibo do serviço faltante, complementando o valor constatado pela análise técnica.
5. Quanto ao tratamento diferenciado supostamente dispensado aos técnicos de urna e ausência de fiscalização de suas atividades as provas dos autos demonstram que dois dos três técnicos contratados cumpriram fielmente com suas obrigações contratuais, porém, a terceira, que jamais compareceu, não foi cobrada nem pela empresa contratante, nem pelo chefe de cartório, não sendo possível atribuir-se tal responsabilidade apenas ao magistrado processado.
6. Quanto à suposta avocação de recursos do suprimento de fundos das eleições 2016, suscitada por uma das testemunhas durante a instrução, tal acusação não merece prosperar, seja porque não foi suficientemente provada, seja porque não foi objeto de contraditório.
7. Processo administrativo disciplinar julgado improcedente.
RESOLVEM os Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, por maioria, julgar improcedente o processo administrativo disciplinar, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator o Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior e os Juízes Álvaro José Norat de Vasconcelos, Edmar Silva Pereira e Diogo Seixas Condurú. Voto divergente da Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna, que foi acompanhada pela Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento. Presidiu o julgamento a Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento.
Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.
Belém, 30 de novembro de 2021.
Juiz Rafael Fecury Nogueira
Relator
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO (1264) - 0600118-30.2020.6.14.0000 - Belém - PARÁ.
RELATOR: Juiz Rafael Fecury Nogueira.
NOTICIANTE: ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO.
NOTICIADO: ERICK COSTA FIGUEIRA.
RELATÓRIO
O Senhor Juiz Rafael Fecury Nogueira: Cuidam os autos de processo administrativo disciplinar instaurado contra magistrado ERICK COSTA FIGUEIRA, pela suposta prática de condutas ilícitas relacionadas à sua atuação na titularidade do foro eleitoral da 16ª Zona Eleitoral de Afuá-PA.
O presente procedimento foi inaugurado por meio do documento de IDs 4094969 e 40972019 e seus anexos, juntados aos autos no Processo Administrativo SEI nº 0015551-19.2019.6.14.8000, no qual foi determinada abertura de investigação preliminar pela Corregedoria Regional Eleitoral, além de outras providências, após termo de declaração do servidor ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO, relatando diversas condutas ilícitas supostamente praticadas pelo magistrado ERICK COSTA FIGUEIRA (ID 4095019, fls. 2-8).
O relatório das imputações lavrado pela Exma. sra. Corregedora Regional Eleitoral à época, concluiu pela existência de indícios das seguintes condutas por parte do magistrado:
- avocação da guarda do Suprimento de Fundos destinado à realização das eleições de 2018, na circunscrição da 16ª ZE, em desacordo com o art. 35, I, da LOMAN;
- delegação ao servidor terceirizado, Welton Roberto Pacheco Avelar, responsável pela limpeza do dever de efetuar as contratações e os pagamentos com os recursos do Suprimento de Fundos 2018, bem como de colher os recibos e notas fiscais correspondentes, em desacordo com o art. 35, I, da LOMAN;
- falta de urbanidade no trato com servidores, em desacordo com o art. 22 do Código de Ética da Magistratura e com o art. 35, IV, da LOMAN;
- favorecimento à configuração da irregularidade relativa à parcela do Suprimento de Fundos 2018, no importe de R$ 2.700,00, que não foi devolvida com a prestação de contas e nem teve sua regular utilização comprovada, em razão da adoção de condutas irregulares (delegação de atribuições próprias do suprido a outro servidor e avocação da guarda dos recursos do suprimento de fundos), e negativa de responsabilidade pelo fato, em desacordo com o art. 37 do Código de Ética da Magistratura;
- dispensa em relação aos Técnicos de Urna Taynara de Almeida Zimmer, Willian Crowell Costa de Menezes e Rubens Pereira Tavares, de tratamento incompatível com os deveres funcionais do magistrado de fiscalizar as atividades dos subordinados e de fazê-los cumprir com exatidão as disposições legais e atos inerentes ao ofício, em desacordo com o art. 35, I e VII, da LOMAM;
- demanda referente ao saldo do Suprimento de Fundos destinado à realização das Eleições 2016, na circunscrição da 16ª ZE, em desacordo com o art. 37 do Código de Ética da Magistratura.
Devidamente intimado (ID 4530369), o então Investigado apresentou defesa prévia (ID 4605419), alegando, em síntese, que:
1) quanto à primeira conduta que lhe fora imputada, acima discriminada, as alegações do declarante não correspondem à verdade, porquanto a guarda do suprimento de fundos para o segundo turno das eleições gerais de 2018 foi por ele realizada em razão de defeito apresentado pelo cofre do cartório eleitoral, que tornou insegura a manutenção do valor em espécie naquele local, o que o levou a guardá-lo no cofre do Fórum Estadual, porém afirma que não houve malversação dos recursos recebidos;
2) no que concerne à suposta delegação de atividades de contratação e pagamento ao terceirizado Welton Roberto Pacheco Avelar, assevera que tal prática foi admitida ao longo dos anos (desde 2008) pelos juízes eleitorais e chefes de cartório que passaram por aquele foro, devido ao fato de o referido colaborador ser nativo de Afuá, conhecendo profundamente a realidade local e os profissionais que prestavam os serviços necessários para a realização do pleito naquela localidade, além de o mesmo já possuir vasta experiência trabalhando durante eleições anteriores, auxiliando a Justiça Eleitoral;
3) a respeito da alegada falta de urbanidade no trato com servidores a ele imputada, reconheceu ter sido “grosseiro” por duas vezes com o servidor Alex Aquino, afirmando que a relação entre eles “não era agradável de parte a parte” e que “não havia simpatia de parte a parte”; mas que nunca faltou com urbanidade com qualquer servidor.
4) quanto à sua contribuição para a desaprovação das contas referentes ao suprimento de fundos para as eleições de 2018, que resultou na necessidade de devolução do valor de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), especificamente no tocante à suposta delegação de atribuições próprias do suprido a servidor terceirizado e avocação da guarda do suprimento de fundos, afirmou que indagou ao chefe de cartório se o procedimento de prestação de contas havia sido finalizado, havendo o referido servidor informado que foi encerrado o procedimento e que “estava tudo no lugar.” Contudo, em outubro de 2019, foi surpreendido ao saber pelo referido servidor que foram constatadas irregularidades na soma de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) na contas apresentadas e que, mesmo após juntada de recibo de prestação de serviços no respectivo processo SEI, a justificativa não foi aceita e as contas foram julgadas irregulares, com imputação de débito.
Afirmou que, após orientá-lo a pagar o valor e recorrer ao Tribunal, ele, orientado pela assessoria jurídica do sindicato, elaborou documento no qual o ora investigado assumia a responsabilidade pelo atraso no envio do recibo no valor em questão, não tendo havido concordância sobre o assunto, o que motivou o chefe de cartório a procurar a Corregedoria Regional Eleitoral para prestar as declarações que deram ensejo à investigação preliminar.
Quanto à alegação de ausência de fiscalização do trabalho dos técnicos de urna, o investigado declarou que se limitou a indicar pessoas de sua confiança, mas que não teve qualquer poder de decisão na sua contratação e, por fim, a respeito da alegação de que o mesmo havia demandado o saldo do suprimento de fundos das eleições de 2016, afirmou que não teve acesso a nenhum valor disponibilizado pela Justiça Eleitoral e que as respectivas contas foram julgadas regulares.
Em sessão realizada no dia 18 de dezembro de 2020, a nobre Corregedora apresentou relatório conclusivo, no qual se pronunciou pela necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar, tendo sido acompanhada pela maioria dos membros desta E. Corte.
Após a instauração do processo administrativo disciplinar, por meio da Resolução TRE n° 5.675 (ID 10297169), procedeu-se à citação do noticiado, o qual apresentou defesa em petição de ID 15206019, alegando, em síntese:
1) quanto à guarda do suprimento de fundos das eleições 2018, que os depoimentos presentes na fase de investigação preliminar não atestam que houve avocação, por sua parte, de tais valores, antes, confirmam que a entrega do numerário ao magistrado se deu por defeito no funcionamento do cofre do cartório eleitoral;
2) quanto à delegação de função própria do suprido e chefe do cartório, ao servidor terceirizado, Welton Roberto Pacheco Avelar, aduziu que eventual delegação fora realizada pelo próprio chefe de cartório ao referido colaborador, o que estaria confirmado pelo depoimento da antiga chefe de cartório da zona, que afirmou que todos os pagamentos nas eleições de 2016 eram realizados pela chefia de cartório, não havendo, portanto, qualquer prova nos autos de que o magistrado havia delegado tal função;
3) quanto à falta de urbanidade no trato com servidores, alegou que os depoimentos realizados apontam para uma ou duas ocasiões nas quais o magistrado teria sido ríspido, porém afirma que ocorreram de forma isolada e não habitual, pelo que não podem ser consideradas como comportamentos inadequados praticados de forma reiterada, conforme consignado no voto divergente do Exmo. Sr. Juiz Federal Sergio Wolney de Oliveira Batista Guedes, segundo o qual a conduta do magistrado não infringiu à regra do art. 35 da LOMAN;
4) quanto à responsabilidade pela parcela do suprimento de fundos da eleição 2018, no importe de R$ 2.700,00, não devolvido e cuja utilização regular não foi comprovada, negou que tenha concorrido para a desaprovação das contas do suprido Alex Adam Ramos de Aquino, invocando as razões utilizadas nos tópicos anteriores, sustentando que tal conduta estaria relacionada à avocação da guarda do dinheiro e à delegação de funções próprias a pessoa sem a devida atribuição, condutas que nega haver praticado e, por essa razão, não faria sentido justificá-las.
5) no tocante à acusação de tratamento dispensado a técnicos de urna incompatível com os deveres da magistratura, mais especificamente consistente em ausência de fiscalização da assiduidade e da regularidade dos trabalhos de Taynara de Almeida Zimmer, Willian Crowell Costa de Menezes e Rubens Pereira Tavares, os quais teriam sido por ele indicados para ocuparem a respectiva função, reconhece ter sido o responsável por sua indicação, porém esclareceu que a contratação se dá diretamente pela empresa responsável, a qual também possui o dever de fiscalizar as atividades dos funcionários por ela contratados;
6) no que concerne ao suprimento de fundos das eleições municipais 2016, o noticiado esclareceu que a prestação foi devidamente aprovada, constando como suprida, à época, a servidora Isadora Jeronima Trindade Rollo D’oliveira.
Requereu, assim, o reconhecimento da inexistência de infração disciplinar por ele cometida e, por conseguinte, pugnou pelo arquivamento do feito sem a aplicação de qualquer penalidade.
A Procuradoria Regional Eleitoral atravessou petição de ID 15217269, tomando ciência da decisão colegiada proferida e se reservando para se manifestar após a instrução probatória.
Em despacho de ID 15276019, a então relatora do feito deferiu as provas testemunhais requeridas, bem como indicou outras testemunhas para serem ouvidas, para esclarecimento dos fatos, designando data para a realização de audiência para colheita dos depoimentos.
Após cumpridas as numerosas diligências que se mostraram necessárias para intimação das partes e testemunhas e atendidos os pedidos de redesignação de audiência surgidos no curso do processo, no dia 14 de junho de 2021 foi realizada audiência de instrução, sob a condução deste relator, na qual foram ouvidas as testemunhas ADONAI SILVEIRA CANEZ, WELTON ROBERTO PACHECO AVELAR, JORGE LUIZ FERREIRA VIANA, ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO e ISADORA JERONIMA TRINDADE ROLLO D’OLIVEIRA, as quais prestaram o devido compromisso e cujos depoimentos passo a trascrever:
1) ADONAI SILVEIRA CANEZ (ID 19255919 19255969 e 19256069): Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE é servidor do TRE-PA, atuando na área de TI e que, nas eleições de 2016, 2018 e 2020, foi prestar apoio à Zona Eleitoral com sede no Município de Afuá na preparação da eleição; QUE teve contato com o Noticiado e que ele sempre pergunta sobre as coisas que são necessárias para a realização dos trabalhos referentes às eleições; QUE não possui atribuição de administração de recursos na TI, mas que só é enviado para prestar suporte operacional nas eleições; QUE o Noticiado solicitou a guarda do suprimento de fundos das eleições de forma bem agressiva do chefe de cartório, porém o servidor não pode entregá-lo no mesmo dia, fato que não soube dizer se foi porque o valor não havia sido sacado ou porque o dinheiro havia ficado preso no cofre do cartório; QUE não recorda o nome do servidor que ocupava o cargo de chefe de cartório à época, nem a quantia referente ao suprimento de fundos; QUE não viu o dinheiro ser entregue ao Noticiado; QUE tentou ajudar a abrir o cofre do cartório eleitoral, e que, na ocasião, o Noticiado não se encontrava presente; QUE o servidor “Membeca” é a pessoa a quem os servidores recorrem quando precisam de alguma coisa relacionada às eleições; QUE soube que foi ele (Membeca) quem ajudou a montar a estrutura dos barqueiros para as eleições; QUE não sabe se ele chegou a utilizar recursos do suprimento de fundos para tal finalidade; QUE, até onde sabe, tanto o chefe de cartório quanto o Noticiado repassavam as tarefas para o referido servidor; QUE o Noticiado tinha conhecimento sobre as atividades repassadas ao senhor Membeca; QUE, na vez em que compareceu ao cartório para pedir a guarda do dinheiro, falou gritando, batendo na mesa e extremamente descontrolado; QUE os técnicos de urna não estavam desempenhando suas atividades, mas apenas os técnicos de satélite, que ficaram sobrecarregados com o acúmulo de trabalho, o que gerou certo prejuízo à Justiça Eleitoral.
Dada a palavra ao advogado de defesa, às perguntas formuladas, respondeu: QUE, quanto ao momento em que houve a solicitação dos valores por parte do magistrado, não sabe precisar ao certo; QUE a guarda do suprimento de fundos das eleições 2020 ficou a cargo da servidora requisitada cujo nome não sabe informar, a qual administrou os recursos juntamente com o servidor Alan, chefe de cartório; QUE acredita que nessas eleições 2020 não fizeram uso do cofre, pois não viu ninguém usar; QUE não sabe se a atribuição de organizar a logística é sequer da Justiça Eleitoral, pois acredita incumbir à empresa terceirizada contratada para organizar a logística de transporte das urnas, mas que, na prática, os cartórios precisam se envolver, porque a empresa não tem funcionários em todos os municípios; QUE, até onde sabe, é contratada uma única empresa pel0 TRE-PA, mediante licitação, para realizar esse trabalho logístico; QUE aquele episódio de exasperação por parte do Noticiado foi o único que presenciou por parte do magistrado, o qual sempre lhe dispensou tratamento cordial; QUE os técnicos de urna são funcionários terceirizados, selecionados e contratados por empresa terceirizada, contratada pelo TRE-PA; QUE a conduta do Noticiado nas eleições sempre foi muito ativa, no exercício de suas funções jurisdicionais.
Devolvida a palavra a este magistrado, às perguntas formuladas, o depoente respondeu: QUE, na ocasião da solicitação dos valores do suprimento de fundos, o Noticiado entrou no cartório muito irritado, gritando, batendo a porta, dirigindo-se à sua sala e chamou o chefe de cartório. Em seguida, gritava e batia na mesa, dizendo que era para repassar a ele o valor do suprimento de fundos, gritando muito. QUE não sabe precisar as palavras usadas pelo magistrado, mas que considerou a conduta inadequada; QUE não estava no mesmo ambiente que o Noticiado, mas que ouviu os gritos, visto que estava na sala ao lado, o que também deixou os demais presentes assustados; QUE não lembra quem eram os técnicos de urna nas eleições 2018, mas que ouviu falar que um deles era irmão do juiz e ou outro era amigo do magistrado; QUE recorda ter tido contato com apenas dois que sabia serem técnicos de urna; QUE não sabe o que o Noticiado fez em relação à fiscalização da assiduidade e desempenho das funções dos técnicos de urna.
Após, este magistrado encerrou a oitiva da testemunha e passou ao segundo depoimento.
2) WELTON ROBERTO PACHECO AVELAR (IDs 19256069 e 19256119): Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE trabalhava como terceirizado de serviços gerais no cartório eleitoral de Afuá, nas eleições de 2018, contratado pela empresa Fênix e, posteriormente, pela empresa Star; QUE zelava pelo prédio, fazendo serviços de limpeza. QUE realizava suas atividades pelo período de cinco horas seguidas. QUE trabalhava de segunda a quinta-feira, das 7h às 12h e na sexta-feira trabalhava metade desse horário; QUE era o chefe de cartório quem fiscalizava o seu serviço; QUE foi contratado no período eleitoral por outra empresa para se encarregar da logística da eleição; QUE o dinheiro era repassado para a sua conta, para que ele efetuasse o pagamento dos barqueiros; QUE sua tarefa era apenas contratar os barqueiros, mas que também trabalhou como técnico de satélite, mantendo compatibilidade de horários; QUE, no período eleitoral, ficava trabalhando até a noite. QUE não conheceu a senhora Taynara de Almeida Zimmer, mas conheceu os senhores Willian Crowell Costa de Menezes e Rubens Pereira Tavares, que exerciam a função de técnicos de urna; QUE o depoente era assíduo no trabalho, assim como os dois técnicos de urna; QUE não presenciou qualquer episódio em que o Noticiado tenha faltado com urbanidade para com os servidores; QUE foi, juntamente com o chefe de cartório, sacar o dinheiro e levaram-no para o cartório, porém o valor teve que ser entregue ao Noticiado, para que fosse guardado no cofre do fórum cível, pois o cofre do cartório estava quebrado havia algum tempo; QUE estava presente quando o valor do suprimento de fundos foi entregue ao Noticiado pelo chefe de cartório; QUE desconhece a existência de dinheiro que não foi gasto e que também não foi devolvido pelo Noticiado ao TRE; QUE, por ordens do chefe de cartório, ele ía até o Noticiado, a cada despesa, para receber o dinheiro necessário para efetuar o pagamento e, após obter os respectivos recibos, o depoente os apresentava ao Noticiado, que o mandava entregar ao chefe de cartório, para a prestação de contas, e que tais recibos eram guardados dentro de uma gaveta pelo chefe de cartório; QUE não recorda que tipos de despesa eram cobertas pelo suprimento de fundos, mas que sabe que há documento do TRE que discrimina em que finalidades o valor deve ser empregado; QUE desconhece se alguma vez o valor do suprimento foi utilizado para pagar empresas pela Justiça Eleitoral para trabalhar nas eleições.
Dada a palavra ao advogado de defesa, às perguntas formuladas, respondeu: QUE sabe que o senhor Wagner e que ele era representante da empresa responsável pela logística das eleições; QUE participou de reunião com o senhor Wagner e com o chefe de cartório, logo que este assumiu o cargo em Afuá, porque o representante da empresa queria conhecer os detalhes da logística no município, a fim de identificar as necessidades de contratação de serviços de transporte, e que sua participação se deu porque era ele a pessoa que mais conhecia os barqueiros e toda a logística; QUE, após isso, o senhor Wagner contratou o depoente para representar a empresa no município, cuidando da logística referente aos barqueiros; QUE todo o valor para pagamento dos barqueiros foi repassado diretamente pela empresa para a conta do depoente; QUE o depoente não participou da reunião entre o depoente e o senhor Wagner.
Devolvida a palavra a este magistrado, às perguntas formuladas, o depoente respondeu: QUE trabalhou nas eleições de 2008 a 2018, com exceção das eleições de 2010. QUE em todas elas ele trabalhou na área de serviços gerais; QUE, nas eleições de 2016, auxiliou a pessoa enviada pela empresa de logística no contato e organização do material, porém sem ser contratado pela empresa para esse fim e que não realizava pagamentos; QUE sabe que a empresa “Walter Navagações” foi vencedora do processo licitatório para organização da logística para as eleições de 2016 porque teve contato direto com o representante por ela enviado; QUE o chefe do cartório, à época, o apresentou como alguém que conhecia a região e os locais de votação. QUE soube que a empresa foi contratada para realizar a distribuição e recolhimento das urnas; QUE não realizou nenhum pagamento nem teve acesso a dinheiro nenhum nas eleições de 2016, para realização de pagamentos; QUE em 2018, realizou pagamentos em mais de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para barqueiros nas eleições de 2018; QUE recorda os nomes dos barqueiros, citando o “Adriano”, o “Fala Grossa” e o Ademir, como exemplos; QUE recebeu mais de R$ 2.000,00 (dois mil reais) como pagamento da empresa para realizar esse serviço.
O advogado de defesa pediu a palavra, para formular nova pergunta, à qual respondeu: QUE recebeu o valor mencionado da empresa para realização dos serviços de logística das urnas.
Após, este magistrado encerrou a oitiva da testemunha e passou ao terceiro depoimento.
3) JORGE LUIZ FERREIRA VIANA (IDs 19256169 e 19258519): Após a qualificação da testemunha, o advogado de defesa ofereceu contradita, sob a alegação de que ele seria amigo íntimo do senhor Alex Aquino (noticiante), frequentando a sua residência e sendo padrinho de uma de suas filhas. Neste ponto, o representante do Ministério Público pediu a palavra, arguindo que tais fatos não têm o condão de ensejar o impedimento da testemunha, visto que o procedimento serve para apurar fatos imputados ao Noticiado e não ao Noticiante. Este magistrado prosseguiu com o compromisso da testemunha, indagando sobre amizade íntima ou inimizade capital em relação ao noticiante ou ao noticiado. A seguir, consignei, porém, rejeitei a contradita oferecida.
Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE é lotado na seção de contabilidade, porém à época dos fatos, se encontrava lotado na Corregedoria; QUE foi prestar apoio técnico para as eleições de 2018; QUE lá conheceu o Noticiado; QUE sabe que o dinheiro do suprimento de fundos ficou sob a guarda do magistrado; QUE normalmente o valor fica sob a responsabilidade do suprido que, nesse caso, é o chefe de cartório; QUE o cofre do cartório de Afuá estava com defeito; QUE não estava presente quando o noticiado supostamente agiu com falta de urbanidade ao demandar a guarda do suprimento de fundos; QUE presenciou um episódio no qual o noticiado entrou no cartório eleitoral furioso e chamou o chefe de cartório para conversar em particular e que lhe chamou a atenção, aumentando o tom de voz, porém não soube distinguir o que estava sendo dito; QUE conheceu o senhor WELTON, ao qual chamava de “Membeca”; QUE era um “faz-tudo” do cartório eleitoral; QUE ele era o responsável por toda a organização da logística dos barqueiros, porém não sabe de que forma obtivera tal atribuição; QUE conheceu dois dos técnicos de urna contratados para a realização dos trabalhos; QUE um dos três técnicos (Taynara) nunca compareceu ao serviço; QUE o William e o Rúbens cumpriam normalmente o expediente; QUE era o depoente quem repassava os trabalhos aos técnicos de urna, embora fosse atribuição típica do chefe de cartório; QUE não sabe dizer se o Noticiado tomou alguma providência para que a técnica de urna Taynara comparecesse ao serviço.
Dada a palavra ao advogado de defesa, às perguntas formuladas, respondeu: QUE os técnicos de urna são terceirizados e que qualquer problema com eles deve ser repassado à empresa por eles encarregada.
Devolvida a palavra a este magistrado, às perguntas formuladas, o depoente respondeu: QUE há empresas contratadas por região para realizar as contratações dos terceirizados, porém repassam aos chefes de cartório a responsabilidade por indicar as pessoas que serão contratadas; QUE durante sua estada em Afuá, não presenciou nenhuma visita de representante da empresa contratada, mas sabe que havia contato por telefone. QUE não sabe como eram feitos os pagamentos dos barqueiros; QUE passou cerca de quarenta dias no município; QUE sabe que o dinheiro ficava com o noticiado, pois o chefe de cartório sempre precisava ir até o magistrado para buscar o dinheiro necessário para os pagamentos devidos; QUE não houve nenhum episódio de falta de urbanidade entre o noticiado e o depoente.
Após, este magistrado encerrou a oitiva da testemunha e passou ao quarto depoimento.
4) ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO (IDs 19259119, 19259169 e 19259269): Após a qualificação da testemunha, o advogado de defesa ofereceu contradita, sob o argumento de que o depoente sofreu processo administrativo disciplinar, além de ter total interesse no resultado do procedimento. O Ministério Público, pela ordem, opôs-se à contradita, alegando que a natureza do PAD visa à apuração de fatos imputados a servidores e que o depoente não figura neste procedimento como parte, mas apenas trouxe ao juízo fatos de seu conhecimento e que reputa irregulares. Em seguida, este magistrado indagou o depoente sobre a existência de relação de amizade ou inimizade com o noticiado, ou se tem interesse no resultado do processo, ao que o depoente respondeu negativamente a todas as questões. Insistindo o advogado de defesa se o depoente respondeu a alguma sindicância sobre os fatos, a testemunha também declarou não responder a nenhum procedimento administrativo, razão pela qual rejeitei a contradita.
Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE era chefe de cartório da 16ª Zona Eleitoral à época dos fatos; QUE os fatos objetos do PAD foram por ele noticiados; QUE era o suprido na ocasião, porém o dinheiro ficou em posse do magistrado noticiado; QUE o cofre apresentou defeitos, porém conseguiram abri-lo e, ao retornar ao cartório, soube que o dinheiro havia sido levado pelo noticiado para o fórum cível e que foi chamado para a recontagem do dinheiro na presença do noticiado, em seu gabinete, na presença de outros servidores, ocasião na qual constatou-se que todo o valor do suprimento de fundos estava lá; QUE guardou o dinheiro no cofre do TRE, inicialmente; QUE o cofre apresentou defeito; QUE, ao abrirem o cofre, o dinheiro foi guardado em uma bolsa preta, na gaveta do depoente; QUE, ao retornar ao cartório, o dinheiro já havia sido levado para o gabinete do Noticiado, no fórum cível; QUE o dinheiro foi recontado na sua frente; QUE a guarda passou a ficar a cargo do noticiado; QUE, quando precisava usar o dinheiro, esse era recebido pelo servidor WELTON, que obteve delegação do noticiado para esta finalidade; QUE não teve mais qualquer atribuição referente aos gastos depois que o dinheiro ficou sob a posse do noticiado; QUE, a partir de então, essa atribuição passou a ser do servidor Welton; QUE nesse valor estava a remuneração dos barqueiros; QUE os barqueiros foram pagos com o suprimento de fundos, porém não realizou o pagamento e nem viu o servidor Welton realizando o pagamento; QUE não sabe precisar se o dinheiro do suprimento de fundos foi utilizado para pagar barqueiros; QUE não viu certos serviços serem feitos, apesar de constarem nos recibos, como o serviço de vistoria em locais de votação; QUE os recibos chegavam às suas mãos, para que ele alimentasse o sistema de prestação de contas; QUE a responsabilidade legal pelo suprimento de fundos era sua; QUE foi vítima de episódios de falta de urbanidade do noticiado para consigo, a exemplo de situação ocorrida por ocasião de realização de tarefa de carga de urnas e, ao indagar o noticiado sobre a frequência dos técnicos de urna, para lhe prestarem apoio, presenciou reação que ainda não tivera visto por parte do noticiado, o qual batia na mesa, proferia expressões como “olha na minha cara” (sic), “não mexe com essas pessoas que elas são muito próximas a mim” e “confia em mim que nós vamos fazer a melhor eleição de todas as zonas”; QUE, no dia em que o dinheiro foi levado ao seu gabinete, não houve nenhuma indisposição entre os dois; QUE, quando do pedido de suplementação do primeiro turno, constatou que o TRE apenas adiantou o valor referente ao segundo turno e, nesse momento, na companhia de outros servidores, o noticiado promoveu novo episódio de falta de urbanidade, batendo portas e afirmando “quem manda nesse cartório sou eu” (sic); QUE, no primeiro turno, passou a primeira semana de vigência do contrato dos técnicos de urna e eles não compareceram, mas apenas dois deles (Rúbens e William) passaram a frequentar o cartório, mas a terceira técnica jamais se apresentou; QUE, a partir de então, os dois técnicos de urna passaram a cumprir seu horário normalmente até o primeiro turno, porém se ausentaram por um tempo após o primeiro turno e retornaram somente em período mais próximo ao segundo turno; QUE a terceira pessoa contratada era uma mulher, chamada Taynara de Almeida Zimmer; QUE ela jamais compareceu ao trabalho; QUE o noticiado não tomou nenhuma atitude para solucionar o problema do absenteísmo da contratada; QUE entregou todo o dinheiro recebido para o magistrado e não o administrou, porém, ao cabo da prestação de contas, faltou o valor de dois mil e setecentos reais; QUE, após demandar do noticiado o recibo da despesa no valor da diferença encontrada, recebeu dele o documento impresso; QUE o documento apresentado pelo noticiado foi exatamente no valor faltante na prestação de contas.
Dada a palavra ao advogado de defesa, às perguntas formuladas, respondeu: QUE esse último recibo faltante não foi recebido das mãos do servidor “Membeca”; QUE é uma empresa terceirizada que contrata os técnicos de urna.
Devolvida a palavra a este magistrado, às perguntas formuladas, o depoente respondeu: QUE o senhor Welton Roberto era servidor contratado da empresa de limpeza do cartório eleitoral e que ele só atuava no cartório eleitoral, fazendo tão somente a limpeza; QUE ele também entregava cartas de mesários e que obtinha os recibos dos barqueiros; QUE a função de pagar os barqueiros deveria ser do chefe de cartório, porém ele não detinha o dinheiro; QUE reportou o fato ao Noticiado e a alguns servidores do TRE por telefone; QUE a fiscalização dos técnicos de urna era por ele informado ao magistrado; QUE a frequência dos técnicos de urna se dava através de preenchimento de login e senha, de forma virtual; QUE o ponto dos técnicos de urna era registrado pelo assessor do noticiado, de forma eletrônica, através de login e senha; QUE viu o referido assessor realizar o registro da frequência dos técnicos de urna; QUE a terceira técnica registrou seu ponto, mesmo sem nunca comparecer ao serviço; QUE os chefes de cartório não tinha acesso ao registro de frequência dos técnicos de urna. QUE ratifica o termo de declaração inicialmente prestado perante a Corregedoria.
Após, este magistrado encerrou a oitiva da testemunha e passou ao quinto depoimento.
5) ISADORA JERONIMA TRINDADE ROLLO D’OLIVEIRA (IDs 19259369 e 19259419): Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, a depoente respondeu: QUE é lotada no Núcleo de Apoio à Gestão; QUE Afuá foi sua primeira lotação no TRE; QUE não presenciou os fatos narrados neste PAD, mas que acredita ter sido arrolada como testemunha por fato semelhante ocorrido por ocasião nas eleições de 2016; QUE o Noticiado era o Juiz Eleitoral durante o período em que foi lotada em Afuá; QUE sofreu episódio de falta de urbanidade por parte do Noticiado em 2016, em razão da existência de sobra de valor referente ao suprimento de fundos das eleições daquele ano, ocasião na qual o Noticiado gritou com a depoente e com os requisitados; QUE o fato estava relacionado à guarda do suprimento de fundos; QUE a depoente era a responsável pela guarda desses valores, na ocasião; QUE houve divergência com o Noticiado quanto à destinação do valor de mais de nove mil reais que haviam sobrado, visto que o Noticiado requereu que tal valor fosse repassado a ele e a depoente informou que não era possível, pois a sobra já havia sido comunicada ao Tribunal, restando apenas o recolhimento do valor, o que fez com que o Noticiado ficasse com os ânimos alterados, gritando, batendo a porta, colocando a mão em sua arma, diante da negativa da entrega do dinheiro; QUE o magistrado não justificou o motivo pelo qual estava requerendo o valor para sua guarda, mas que a depoente esclareceu os motivos pelos quais não poderia fazê-lo.
Dada a palavra ao advogado de defesa, às perguntas formuladas, respondeu: QUE os requisitados à época presenciaram a conduta do magistrado por ela relatada; QUE os requisitados se chamavam Fábio e Mariane; QUE o servidor “Membeca” não estava presente; QUE prestou as contas referentes ao pleito de 2016; QUE houve interferência do magistrado quanto à decisão na aplicação do valor que sobrara; QUE as contas foram aprovadas sem ressalvas; QUE não repassou nenhum valor ao Noticiado; QUE só presenciou o episódio relatado de falta de urbanidade por parte do Noticiado; QUE recorda de haver comentário por parte do Noticiado quanto à utilização do valor restante para realização de reformas; QUE desconhece se foram realizadas reformas; QUE o servidor “Membeca” era um “quebra-galho” do cartório eleitoral, realizando tarefas de orientação quanto ao posicionamento dos barcos, por exemplo.
Não foi possível a oitiva da testemunha NONATO ADRIANO VAZ LOBATO, razão pela qual foi determinada a renovação da sua intimação (ID 19267069), a qual também restou infrutífera, conforme certidão de ID 19361619.
No dia 21 de junho de 2021, foram realizadas as oitivas das testemunhas ALAN MARQUES DE CARVALHO e BRENDA PINHEIRO MOTA BRABO DE OLIVEIRA, as quais foram devidamente qualificadas e prestaram o devido compromisso, declarando o seguinte:
1) ALAN MARQUES DE CARVALHO (IDs 19393319 e 19393369): Dada a palavra ao advogado de defesa, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE é chefe de cartório da 16ª Zona Eleitoral de Afuá desde dezembro de 2019; QUE trabalhou nas eleições de 2018, no dia de realização do segundo turno das eleições; QUE não possuía função específica naquelas eleições; QUE soube do problema no cofre do cartório e que o valor foi levado ao cofre do Tribunal de Justiça em Afuá; QUE não presenciou nenhuma avocação dos valores por parte do Noticiado; QUE o servidor “Membeca” trabalhava na limpeza e que realizou a intermediação da negociação com os barqueiros que prestavam serviços para a Justiça Eleitoral; QUE não presenciou o servidor “Membeca” entregando nenhum recibo ao senhor Alex Aquino; QUE nunca presenciou o Noticiado faltando com urbanidade com ninguém; QUE o Noticiado possuía uma boa relação com os servidores do cartório eleitoral; QUE não sabe informar sobre a diferença constatada no valor do suprimento de fundos de 2018; QUE trabalhou nas eleições de 2020; QUE o Noticiado não realizou nenhuma tentativa de avocação de recursos ou de funções do chefe de cartório nas eleições de 2020; QUE não conheceu os técnicos de urna das eleições de 2018, com exceção do William, e que não sabia distinguir, à época, quais as funções desempenhadas por cada um.
Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE se apresentou no dia da realização do segundo turno das eleições de 2018; QUE foi removido para a zona eleitoral de Afuá precisamente por não tolerar situações de assédio moral ocorridas em sua antiga zona de lotação; QUE é chefe de cartório desde dezembro de 2019; QUE foi indicado pelo Noticiado; QUE a 16ª ZE tem prédio próprio; QUE a negociação realizada pelo servidor “Membeca” consiste na intermediação entre a empresa prestadora de serviços e os barqueiros que são por ela contratados; QUE, nas eleições de 2020, a empresa responsável pela logística apresentou preposto, o qual foi indicado pelo depoente para realizar a contratação dos serviços de logística.
Devolvida a palavra a este magistrado, às perguntas formuladas, o depoente respondeu: QUE, nas eleições de 2018, se apresentou ao chefe de cartório e ao magistrado noticiado; QUE não presenciou a atuação de “Membeca” na contratação de barqueiros em 2018; QUE soube pelo processo administrativo no SEI que o nome da empresa era “WR”; QUE não sabe como se deu o pagamento dos barqueiros em 2018; QUE não conhece por nome nenhum dos barqueiros que atuou nas eleições de 2018; QUE só conheceu o técnico de urna William, com o qual teve breve contato; QUE não sabia que o Rúbens e a Taynara eram técnicos de urna; QUE conheceu o técnico William no momento em que se apresentou para o chefe de cartório; QUE soube do problema do cofre e que fora alertado no treinamento de ambientação que esse era um problema recorrente nos cartórios eleitorais;
2) BRENDA PINHEIRO MOTA BRABO DE OLIVEIRA (ID 19393569): Dada a palavra ao advogado de defesa, às questões formuladas, a depoente respondeu: QUE trabalhou como assessora do Noticiado na justiça comum, desde 2015, até 10 de maio de 2021; QUE foi residir na cidade de Ponta de Pedras; QUE soube do defeito que houve no cofre do cartório eleitoral e que, por segurança, o Noticiado levou o dinheiro para guardar no cofre do fórum cível; QUE o chefe de cartório estava ciente de onde estava o dinheiro e que este era sempre fornecido ao referido servidor, quando necessário; QUE a Justiça Eleitoral utilizava, algumas vezes, espaços pertencentes à justiça comum; QUE seriam realizadas adaptações para retornar os espaços anteriormente ocupados pela Justiça Eleitoral no fórum cível de volta ao padrão do Tribunal de Justiça do Estado, porém não foi feito; QUE, à época, a chefe de cartório se chamava Carla; QUE a obra de readaptação aos padrões do TJE foi realizada pelo Noticiado; QUE jamais presenciou episódio de falta de urbanidade do Noticiado; QUE conhecia o servidor “Membeca”; QUE ele auxiliava na intermediação da contratação de barqueiros, por ser nativo da região.
Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, a depoente respondeu: QUE seu vínculo com o TJ é a de servidora comissionada; QUE somente o Noticiado tinha acesso ao cofre do fórum cível.
Posteriormente, em 28 de junho de 2021, foram ouvidas as testemunhas Adonis Tenório Cavalcanti, Márcio de Almeida Farias, Fabio Pires Braga e Ruth Helena Sardinha Costa, as quais foram devidamente qualificadas e prestaram o devido compromisso, declarando o seguinte:
1) ADONIS TENÓRIO CAVALCANTI (IDs 19439619 e 19439669): Dada a palavra ao advogado de defesa, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE atua como promotor eleitoral na zona de Afuá desde julho de 2019; QUE atuou nas eleições de 2020; QUE não presenciou o Noticiado avocando para si recursos referentes ao suprimento de fundos das eleições; QUE soube que o Noticiado delegou ao chefe de cartório toda a gestão referente às eleições de 2020; QUE sabe que o chefe de cartório é o servidor Alan; QUE o Noticiado costuma ser tranquilo e fazer brincadeiras para deixar o clima mais leve e que em relação aos advogados dos candidatos, fazia questão da presença do Ministério Público sempre que fosse se reunir com eles; QUE jamais presenciou qualquer ato de falta de urbanidade por parte do Noticiado durante as referidas reuniões.
Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE só trabalhou com o Noticiado durante as eleições de 2020.
2) MÁRCIO DE ALMEIDA FARIAS (ID 19439519 e 19439419): Dada a palavra ao advogado de defesa, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE atuou como promotor eleitoral de Afuá de março de 2017 a março de 2019; QUE atuou nas eleições de 2018; QUE não ouviu falar de problema no cofre do cartório eleitoral naquele pleito; QUE não soube nada a respeito de suposta avocação de recursos do suprimento de fundos por parte do Noticiado; QUE nunca presenciou episódio de falta de urbanidade por parte do Noticiado.
Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE recorda do servidor “Membeca”, mas desconhece qualquer incumbência por ele recebida no tocante às eleições.
Devolvida a palavra a este magistrado, às perguntas formuladas, o depoente respondeu: QUE recorda do “Membeca” não pela sua atuação no cartório eleitoral, mas pela sua presença no fórum cível; QUE não conheceu pessoalmente os técnicos de urna contratados em 2018; QUE não tinha conhecimento dos assuntos administrativos internos da Justiça Eleitoral em Afuá.
3) FABIO PIRES BRAGA (IDs 19439369, 19439319 e 19439269): Dada a palavra ao advogado de defesa, às questões formuladas, o depoente respondeu: QUE trabalhou como servidor requisitado do cartório eleitoral de Afuá de 2008 até o final de julho de 2018; QUE jamais ouviu falar do Noticiado requerendo da chefia do cartório eleitoral a guarda do suprimento de fundos; QUE no ano de 2016, foi a servidora Isadora quem ficou responsável pelo suprimento de fundos e que o depoente ficou responsável pelo auxílio alimentação dos mesários e supervisores de locais de votação; QUE jamais soube sobre avocação ou envolvimento do Noticiado na administração do suprimento de fundos; QUE em 2016 o cartório eleitoral funcionava no fórum cível; QUE eles ocupavam três salas; QUE foram realizadas modificações nas salas para comportar o funcionamento da Justiça Eleitoral; QUE as modificações foram suportadas financeiramente pela própria Justiça Eleitoral; QUE, ao sair o cartório eleitoral do fórum cível, a reforma para readaptação das salas antes ocupadas para o padrão do Tribunal de Justiça foram feitas pelo Noticiado; QUE, a antiga chefe de cartório, Carla, avisou ao Noticiado que, quando saíssem do fórum cível, o TRE arcaria com os custos da reforma para retorno à forma original, porém isso não ocorreu, pois, à época da saída do cartório eleitoral do fórum, a chefe de cartório era a servidora Isadora, que não disponibilizou verbas do suprimento de fundos para essa finalidade; QUE sempre foi tratado, assim como seus colegas, com urbanidade por parte do Noticiado; QUE conhece o servidor “Membeca”; QUE ele trabalhava como “serviços gerais”; QUE esse servidor sempre ajudou a viabilizar o contato com os barqueiros no município; QUE o “Membeca” sempre auxiliou nesse apoio no contato com os barqueiros desde que o depoente entrou no cartório, em 2008, porém o pagamento sempre foi realizado pelo chefe de cartório.
O Ministério Público Eleitoral não formulou perguntas.
Devolvida a palavra a este magistrado, às perguntas formuladas, o depoente respondeu: QUE soube que os serviços de reforma após a saída do cartório do fórum cível foi realizada às expensas do Noticiado porque o serviço já havia sido contratado, porém a chefe de cartório Isadora não autorizou a utilização do suprimento de fundos; QUE foi a própria servidora Isadora quem o informou que não liberaria os recursos do suprimento de fundos das eleições para custear a reforma e nem requereria novo suprimento para pagar essa despesa; QUE o Noticiado chegou a perguntar à chefe de cartório se a Justiça Eleitoral iria custear a obra, mas não chegou a pedir a verba do suprimento de fundos; QUE o servidor “Membeca” trabalhava com serviços gerais de limpeza no cartório.
4) RUTH HELENA SARDINHA COSTA (IDs 19439169 e 19439219): Dada a palavra ao advogado de defesa, às questões formuladas, a depoente respondeu: QUE é servidora requisitada pelo TRE desde 2006; QUE trabalha no município de Anajás, mas trabalha junto ao Noticiado desde o início de suas atividades perante a Justiça Eleitoral, visto que é ele quem substitui o juiz de Anajás em ausências e afastamentos; QUE sempre tratou os funcionários da 90ª zona eleitoral de forma cortês; QUE nunca presenciou o Noticiado sendo grosseiro e que jamais tomou conhecimento de fatos dessa natureza; QUE jamais requereu do cartório de Anajás qualquer valor do suprimento de fundos; QUE é sempre o chefe de cartório que é o suprido e, portanto, o responsável pela prestação de contas; QUE sempre exerceu seu mister com autonomia, sem interferência do Noticiado no tocante à administração do suprimento de fundos.
O Ministério Público Eleitoral não formulou perguntas.
Nessa mesma audiência, este Juízo deliberou pela renovação da diligência para intimação da testemunha NONATO ADRIANO VAZ LOBATO, designando o dia 21 de julho de 2021 para sua oitiva, entretanto, a diligência foi novamente frustrada, conforme certidão de ID 19875269. Chegado o dia marcado para a oitiva da testemunha e diante de sua ausência, foi homologada a sua dispensa, com a anuência do Ministério Público Eleitoral, sendo marcado o depoimento do processado para o dia 2 de agosto de 2021 (ID 19918519).
Na referida data, foi realizado o interrogatório do processado que, após qualificado e sendo devidamente informado de seus direitos, declarou:
QUE não avocou o valor do suprimento de fundos para si pessoalmente; QUE o suprimento de fundos referente ao primeiro turno das eleições foi administrado pelo servidor Alex e que o defeito no cofre do cartório eleitoral ocorreu entre os dois turnos das eleições, o que fez com que o dinheiro lhe fosse repassado para a guarda, porém jamais quis usurpar a função do suprido; QUE o servidor Alex atuou como suprido nas eleições de 2018; QUE o repasse dos valores era muitas vezes, por ordem do próprio chefe de cartório, feito ao servidor “Membeca”, para efetuar pagamentos; QUE o terceirizado “Membeca” sempre exerceu primariamente a função de serviços gerais, porém, sendo conhecedor da realidade local, sempre auxiliou na logística das eleições, desde 2008; QUE jamais delegou qualquer função ou conferiu autonomia ao referido servidor para realizar contratações; QUE acompanhou o depoimento do servidor e que o viu dizer que, em diversas vezes, ele realizou serviço de pagamento, sob delegação da empresa contratada pelo Tribunal, mas que desconhece os pormenores dessa relação; QUE a fiscalização do trabalho do servidor terceirizado era responsabilidade do chefe de cartório; QUE devido à natureza das atividades do magistrado, há momentos de exasperação e de frustração, porém reputa pesada a acusação de falta de urbanidade e que aconteceu uma ou duas vezes momentos dessa natureza com o servidor Alex; QUE o valor de dois mil e setecentos reais que haviam faltado na prestação de contas não ficaram em suas mãos e que seus princípios e valores jamais lhe permitiriam se apropriar de tal valor e que a gestão do suprimento de fundos foi realizada pelo suprido; QUE, mesmo checando com o chefe de cartório sobre a regularidade das contas, era sempre informado de que estava tudo certo e que, para sua surpresa, foi informado de que as contas não foram aprovadas; QUE foi surpreendido pelo servidor Alex com a proposta de que o depoente assumisse a responsabilidade pelo valor faltante; QUE conhecia os três técnicos de urna contratados, mas que não intercedeu junto a qualquer empresa para que fosse realizada a contratação dos profissionais, tendo-os apenas indicado, por almejar trabalhar com pessoas de sua confiança e isentas de militância política no município; QUE não fiscalizava o exercício de suas funções, por não ser atribuição sua, tampouco do cartório eleitoral; QUE os técnicos de urna Rúbens e William desempenharam regularmente suas funções, porém a técnica Taynara não desempenhou, porém, quanto a esta última, optou por fazer uso de seu direito ao silêncio, por situação de natureza conjugal e para resguardar sua intimidade; QUE não sabe como era feito registro da frequência dos técnicos de urna.
Dada a palavra ao Ministério Público Eleitoral, às questões formuladas, o processado respondeu: QUE o valor de suprimento de fundos engloba alguns gastos, dentre os quais, as inspeções em locais de votação e contratação de barqueiros; QUE as contratações de barqueiros sempre foram efetivadas pelo chefe de cartório e intermediadas pelo servidor “Membeca”; QUE nunca foi uma prática sua manter o suprimento de fundos sob sua guarda, apenas quanto ao valor do segundo turno, em razão do defeito no cofre; QUE o Noticiante sugeriu que o Noticiado assumisse a responsabilidade pelo valor faltante por receio, visto que se encontrava em estágio probatório; QUE acredita que o valor total do suprimento de fundos era próximo a nove mil reais.
Dada a palavra à defesa, esta não formulou questões.
Conferida a palavra ao magistrado processado, este esclareceu que, quanto ao suprimento de fundos de 2016, ele não requereu o repasse de valor referente ao suprimento de fundos, mas que havia combinado com a então chefe de cartório de nome Carla que, ao efetuarem a mudança do cartório eleitoral para prédio próprio, seria solicitado suprimento de fundos ao TRE para realizar as reformas necessárias para que se retornasse à originalidade da estrutura do espaço até então ocupado pelo cartório no prédio do fórum cível. Afirmou que, havendo a sobra das eleições de 2016, consultou a servidora Isadora sobre a possibilidade de utilização desse valor para pagamento dos serviços, porém recebeu a negativa da referida servidora e arcou com as despesas com seus próprios recursos.
Encerrada a instrução, este Juízo intimou as partes em audiência para apresentação de razões finais.
Em suas razões finais (ID 20664469) o processado reiterou os termos de sua peça de defesa e ressaltou que os depoimentos colhidos na fase instrutória reforçam suas alegações e não deixam margem para concluir que houve prática de conduta ilícita de sua parte e que os elementos de convicção apresentados no voto que conduziu para a abertura do PAD restaram afastados.
Ressaltou, também, possuir conduta ilibada e que jamais sofrera qualquer procedimento administrativo que pusesse em dúvida a transparência de suas ações, pelo que requereu o reconhecimento de ausência de qualquer infração disciplinar e consequente arquivamento do feito, sem imposição de sanções.
O Ministério Público Eleitoral, por seu turno, em alegações finais de ID 20679119, concluiu que restaram apenas elementos probatórios que confirmam as condutas irregulares de avocação da guarda do suprimento de fundos por parte do magistrado e de falta de urbanidade com os servidores, opinando pela aplicação da penalidade mínima de advertência contra o noticiado e exortou a Administração do TRE a editar normativo interno orientando os juízes eleitorais e não avocarem para si a guarda do suprimento de fundos, quando não forem indicados especificamente como supridos.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Juiz Rafael Fecury Nogueira (Relator): Conforme suficientemente relatado, trata-se de processo administrativo disciplinar para apuração de supostas condutas irregulares cometidas pelo magistrado Erick Costa Figueira envolvendo a gestão do suprimento de fundos, a fiscalização das atividades dos técnicos de urna por ele indicados e a falta de urbanidade no trato com servidores do cartório eleitoral. As condutas imputadas ao processado serão analisadas individualmente a seguir:
1) Da avocação indevida da guarda do suprimento de fundos das Eleições de 2018 na 16ª Zona Eleitoral de Afuá/PA.
A imputação em questão consiste na suposta exigência do magistrado para que o valor referente ao suprimento de fundos do segundo turno das eleições de 2018 lhe fosse entregue para guarda no cofre do fórum cível. A conduta do magistrado foi reputada como irregular em razão de o legítimo responsável pela guarda dos valores referentes ao suprimento de fundos ser o senhor Alex Adam Ramos de Aquino, conforme Processo SEI 0014112-56.2018.6.14.8016 (ID 4095369), no qual figura como suprido. Nessa qualidade, competia a ele (Alex) a guarda e administração dos valores, sendo também o responsável pelo lançamento dos respectivos recibos no sistema SGSUP.
O ato em exame, que está intimamente relacionado a outras condutas também atribuídas ao processado, como já dito, diz respeito à demanda de entrega de numerário cuja guarda competia ao chefe de cartório de Afuá, para que o processado se encarregasse de sua liberação para o pagamento das despesas que surgissem.
Ao longo da instrução probatória, pelos depoimentos colhidos, ficou suficientemente comprovado que, a despeito de ter ou não sido realizada de forma totalmente consentida, o fato que ensejou a entrega do valor do suprimento de fundos ao magistrado processado foi a apresentação de defeito no cofre do cartório eleitoral, em que se encontrava todo o valor repassado pelo TRE ao suprido para pagamento das despesas referentes às eleições.
Conforme o próprio servidor ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO confirmou em seu depoimento, houve dificuldades para abrir o cofre e resgatar o dinheiro que havia sido guardado nele e, após conseguirem, o dinheiro foi guardado em uma bolsa preta e colocado em sua gaveta, no cartório eleitoral. Ressalte-se, nesse ponto, que a fragilidade na guarda do valor era tão grande que o referido servidor foi surpreendido com o fato de o dinheiro não se encontrar mais lá ao retornar, pois o magistrado processado o levara durante sua ausência para que fosse guardado no cofre do fórum cível, havendo também convocado o referido servidor para que conferisse o valor total em sua presença, fato que acabou sendo por ele consentido.
Todos os depoimentos prestados por pessoas que estavam presentes no cartório à época dos acontecimentos atestam que, de fato, houve defeito no funcionamento do cofre do cartório eleitoral, como se denota, por exemplo, das declarações da testemunha Welton Roberto Pacheco Avelar (“Membeca”):
QUE foi, juntamente com o chefe de cartório, sacar o dinheiro e levaram-no para o cartório, porém o valor teve que ser entregue ao Noticiado, para que fosse guardado no cofre do fórum cível, pois o cofre do cartório estava quebrado havia algum tempo; QUE estava presente quando o valor do suprimento de fundos foi entregue ao Noticiado pelo chefe de cartório;
No mesmo sentido foi o relato da testemunha JORGE LUIZ FERREIRA VIANA, que assim declarou:
QUE sabe que o dinheiro do suprimento de fundos ficou sob a guarda do Magistrado; QUE normalmente o valor fica sob a responsabilidade do suprido que, nesse caso, é o chefe de cartório; QUE o cofre do cartório de Afuá estava com defeito.
Além disso, o próprio servidor noticiante, ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO admitiu não apenas a existência de defeito no cofre da Justiça Eleitoral, como também a precariedade com a qual o referido dinheiro fora guardado, conforme se conclui pela transcrição de excerto de seu depoimento. Confira-se:
QUE guardou o dinheiro no cofre do TRE, inicialmente; QUE o cofre apresentou defeito; QUE, ao abrirem o cofre, o dinheiro foi guardado em uma bolsa preta, na gaveta do depoente; QUE, ao retornar ao cartório, o dinheiro já havia sido levado para o gabinete do Noticiado, no fórum cível; QUE o dinheiro foi recontado na sua frente; QUE a guarda passou a ficar a cargo do Noticiado; QUE, quando precisava usar o dinheiro, esse era recebido pelo servidor WELTON, que obteve delegação do Noticiado para esta finalidade; QUE não teve mais qualquer atribuição referente aos gastos depois que o dinheiro ficou sob a posse do Noticiado; QUE, a partir de então, essa atribuição passou a ser do servidor Welton.
O próprio magistrado processado, em seu interrogatório, consignou o fato de o cofre do cartório eleitoral possuir defeito, o que o motivou a solicitar a guarda do valor no cofre do fórum cível, como se observa da seguinte passagem:
QUE não avocou o valor do suprimento de fundos para si pessoalmente; QUE o suprimento de fundos referente ao primeiro turno das eleições foi administrado pelo servidor Alex e que o defeito no cofre do cartório eleitoral ocorreu entre os dois turnos das eleições, o que fez com que o dinheiro lhe fosse repassado para a guarda, porém jamais quis usurpar a função do suprido; QUE o servidor Alex atuou como suprido nas eleições de 2018; QUE o repasse dos valores era muitas vezes, por ordem do próprio chefe de cartório, feito ao servidor “Membeca”, para efetuar pagamentos;
Como já dito, denota-se que o valor foi integralmente sacado e guardado de forma precária nas dependências do cartório eleitoral, o que, no entendimento deste juízo, justifica a preocupação em transportar o referido valor para local seguro.
Ademais, conforme informado pelo próprio noticiante em seu depoimento, todos os recibos lhe eram entregues para lançamento no sistema utilizado para prestação de contas e era ele mesmo quem apontava em quais despesas o valor deveria ser gasto, ficando apenas a cargo do magistrado a liberação dos recursos que, por sua vez, eram entregues por meio do servidor “Membeca”.
Note-se, portanto, que o magistrado processado, ao que indicam as provas dos autos, não avocou a responsabilidade pelas decisões envolvendo a aplicação dos recursos, mas restringiu a sua liberação, de forma que lhe fosse previamente solicitada. Também não foi suscitado nos autos qualquer óbice criado pelo magistrado à liberação de recursos ou questionamento sobre contratações, dando indícios de que as estaria conduzindo ou direcionando, mas tão somente mantendo a guarda do valor que estava no cofre do fórum cível, do qual, segundo depoimento de sua ex-assessora, somente o magistrado processado possuía a senha.
Desta forma, com todas as vênias à conclusão apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, entendo que não ficou configurada a avocação indevida da gestão do suprimento de fundos, mas tão somente sua guarda, o que se mostra justificado diante do patente risco de extravio dos recursos, corroborado pela assumida inexperiência do então chefe de cartório à época, que sequer havia conduzido seu primeiro processo de eleição.
2) Delegação de função própria do suprido (chefe de cartório) ao servidor terceirizado Welton Roberto Pacheco Avelar.
Desde a abertura da investigação preliminar, um dos fatos relatados pelo noticiante, Alex Adam Aquino, foi a suposta delegação, por parte do magistrado processado, de funções próprias de suprido e de chefe de cartório ao servidor terceirizado Welton Roberto Pacheco Avelar, conhecido pela alcunha de “Membeca”. Segundo o noticiante, foram outorgadas ao referido servidor as funções de contratação e pagamento de despesas com recursos do suprimento de fundos para as eleições, bem como colheita dos recibos e notas fiscais correspondentes, tarefas essas que não lhe competiam, mas sim ao chefe de cartório.
Conforme demonstrado nos depoimentos, o servidor conhecido como “Membeca” já prestava auxílio ao cartório eleitoral na organização da logística das eleições, principalmente na intermediação do contato com os barqueiros, desde o ano de 2008, por ser nativo da região e conhecer toda a comunidade, além de possuir perfil de servidor solícito, conforme se depreende das declarações da testemunha Adonai Silveira Canez, a seguir reproduzidas:
QUE o servidor “Membeca” é a pessoa a quem os servidores recorrem quando precisam de alguma coisa relacionada às eleições; QUE soube que foi ele (Membeca) quem ajudou a montar a estrutura dos barqueiros para as eleições; QUE não sabe se ele chegou a utilizar recursos do suprimento de fundos para tal finalidade; QUE, até onde sabe, tanto o chefe de cartório quanto o Noticiado repassavam as tarefas para o referido servidor; QUE o Noticiado tinha conhecimento sobre as atividades repassadas ao senhor Membeca.
Ainda sobre as atividades “atípicas” desempenhadas pelo senhor Welton (“Membeca”), eis o que consignou o servidor Jorge Luiz Ferreira Viana em seu depoimento:
QUE conheceu o senhor WELTON, ao qual chamava de “Membeca”; QUE era um “faz-tudo” do cartório eleitoral; QUE ele era o responsável por toda a organização da logística dos barqueiros, porém não sabe de que forma obtivera tal atribuição.
O uso de seus serviços neste particular se demonstrou claramente aceito não apenas pelo noticiante e também pelo magistrado processado, mas igualmente pela testemunha Isadora Jeronima Trindade Rollo D’Oliveira, chefe de cartório à época das eleições de 2016, apenas a título de exemplo. Confira-se excerto de seu depoimento:
QUE o servidor “Membeca” era um “quebra-galho” do cartório eleitoral, realizando tarefas de orientação quanto ao posicionamento dos barcos, por exemplo.
Tal situação não é exclusividade da zona de Afuá, mas tem sido, em grande parte, a forma mais eficaz de trabalho realizado pela Justiça Eleitoral há décadas, visto que a maior parte da mão de obra por ela utilizada é composta por servidores requisitados, em sua maioria nativos do município no qual a zona se encontra situada, o que facilita sobremaneira inclusive a realização das intimações e notificações de partes em processos e de mesários para as eleições.
A peculiaridade no caso em exame se deu pelo fato de o senhor Welton ter sido contratado como preposto da empresa WR para realizar a contratação dos barqueiros, o que não configurou nos autos consistir em ilegalidade, pois, conforme ele mesmo declarou em seu depoimento, realizou prévia consulta ao seu supervisor para saber se era juridicamente possível a manutenção de vínculo com duas empresas e que o manteve respeitando a compatibilidade de horários.
A esse respeito, convém reproduzir o depoimento do magistrado processado, que declarou o seguinte:
QUE o repasse dos valores era muitas vezes, por ordem do próprio chefe de cartório, feito ao servidor “Membeca”, para efetuar pagamentos; QUE o terceirizado “Membeca” sempre exerceu primariamente a função de serviços gerais, porém, sendo conhecedor da realidade local, sempre auxiliou na logística das eleições, desde 2008; QUE jamais delegou qualquer função ou conferiu autonomia ao referido servidor para realizar contratações; QUE acompanhou o depoimento do servidor e que o viu dizer que, em diversas vezes, ele realizou serviço de pagamento, sob delegação da empresa contratada pelo Tribunal, mas que desconhece os pormenores dessa relação; QUE a fiscalização do trabalho do servidor terceirizado era responsabilidade do chefe de cartório.
Ademais, a maioria dos depoimentos aponta para o fato de que o senhor Welton realizava cotidianamente serviços que iam além de suas atribuições de limpeza do prédio, como atendimento aos eleitores e entrega de cartas de mesários, por exemplo, tudo com anuência dos chefes de cartório com os quais trabalhou, além do fato de ser nativo da região, o que o tornava ainda mais útil no diálogo com os prestadores de serviço locais. Eis o que o próprio noticiante consignou sobre as atividades desempenhadas pelo referido servidor:
Alex Adam Ramos de Aquino: “QUE o senhor Welton Roberto era servidor contratado da empresa de limpeza do cartório eleitoral e que ele só atuava no cartório eleitoral, fazendo tão somente a limpeza; QUE ele também entregava cartas de mesários e que obtinha os recibos dos barqueiros”.
Por tais razões, considerando que o presente procedimento visa à apuração de condutas imputadas ao magistrado processado, entendo, consoante a prova produzida ao longo da instrução, que não está comprovado que houve delegação indevida de atribuições ao servidor Welton de sua parte, mas tão somente o respeito ao que fora decidido inclusive com a anuência do cartório eleitoral, ao permitir que o mesmo se tornasse preposto da empresa responsável pela logística e contratação de serviços de transporte para as eleições.
3) falta de urbanidade do juiz eleitoral representado no trato dos servidores.
A irregularidade ora apontada se baseia em episódios relatados pelos depoentes Alex Adam Ramos de Aquino, Adonai Silveira Canez e Jorge Luiz Ferreira Viana (referentes à suposta avocação da guarda do suprimento de fundos das eleições de 2018) e pela testemunha Isadora Jeronima Trindade Rollo D’Oliveira, esta no tocante à suposta demanda do saldo remanescente do suprimento de fundos das eleições de 2016.
Sem olvidar a gravidade da conduta imputada ao magistrado processado no tocante à falta de urbanidade com os servidores, a instrução probatória demonstrou que tais episódios ocorreram especificamente em relação a dois servidores que ocuparam a posição de chefe de cartório: a primeira em razão de frustração por não ter o processado conseguido obter autorização para pagamento de serviço de reforma no fórum cível para restauração ao padrão original do espaço anteriormente ocupado pela Justiça Eleitoral, o que resultou em pagamento às expensas do próprio magistrado, e o segundo referente à notícia obtida pelo chefe de cartório de que as contas referentes ao suprimento de fundos das eleições foram desaprovadas. O servidor Alex Aquino também apontou episódio referente à cobrança por ele realizada ao magistrado no tocante à frequência dos técnicos de urna por ele indicados e que não teria sido bem aceita pelo processado.
Pois bem, o primeiro fato, ocorrido com a senhora Isadora D’Oliveira em 2016, somente foi trazido à tona em seu depoimento neste procedimento, não tendo sido objeto de apuração à época. De qualquer forma, as provas dos autos não permitem constatar de forma segura em que medida o magistrado teria sido descortês, considerando que a natureza do assunto e a resistência por ela apresentada ensejariam, naturalmente, o início de uma altercação entre os dois. Eis o que relatou a referida testemunha sobre o caso:
QUE houve divergência com o Noticiado quanto à destinação do valor de mais de nove mil reais que haviam sobrado, visto que o Noticiado requereu que tal valor fosse repassado a ele e a depoente informou que não era possível, pois a sobra já havia sido comunicada ao Tribunal, restando apenas o recolhimento do valor, o que fez com que o Noticiado ficasse com os ânimos alterados, gritando, batendo a porta, colocando a mão em sua arma, diante da negativa da entrega do dinheiro.
Já no episódio em que foi parte o senhor Alex Aquino, presenciado por outros servidores que se encontravam no cartório, é possível aferir melhor que houve, de fato, exasperação por parte do magistrado, o que foi confirmado pelos depoimentos dos presentes e por ele admitido, ainda que apresentasse suas justificativas para tal ato. Confira-se:
Adonai Silveira Canez: “QUE, na vez em que compareceu ao cartório para pedir a guarda do dinheiro, falou gritando, batendo na mesa e extremamente descontrolado” (...) “QUE, na ocasião da solicitação dos valores do suprimento de fundos, o Noticiado entrou no cartório muito irritado, gritando, batendo a porta, dirigindo-se à sua sala e chamou o chefe de cartório. Em seguida, gritava e batia na mesa, dizendo que era para repassar a ele o valor do suprimento de fundos, gritando muito. QUE não sabe precisar as palavras usadas pelo magistrado, mas que considerou a conduta inadequada; QUE não estava no mesmo ambiente que o Noticiado, mas que ouviu os gritos, visto que estava na sala ao lado, o que também deixou os demais presentes assustados”;
Alex Adam Ramos de Aquino: “QUE, quando do pedido de suplementação do primeiro turno, constatou que o TRE apenas adiantou o valor referente ao segundo turno e, nesse momento, na companhia de outros servidores, o Noticiado promoveu novo episódio de falta de urbanidade, batendo portas e afirmando ‘quem manda nesse cartório sou eu’” (sic);
Jorge Luiz Ferreira Viana: “QUE presenciou um episódio no qual o Noticiado entrou no cartório eleitoral furioso e chamou o chefe de cartório para conversar em particular e que lhe chamou a atenção, aumentando o tom de voz, porém não soube distinguir o que estava sendo dito”.
Ressalte-se, contudo, que tais depoimentos apontam para apenas duas ocasiões nas quais o magistrado processado se excedeu em sua conduta perante os chefes de cartório.
Por outro lado, há robusta prova testemunhal que atesta que o processado é habitualmente cortês em seu trato com os servidores, o que foi consignado não apenas pelas testemunhas por ele indicadas, mas também, por aquelas arroladas por este juízo, inclusive as que depuseram sobre a situação na qual o magistrado se excedera. Vejamos:
Adonai Silveira Canez: “QUE aquele episódio de exasperação por parte do Noticiado foi o único que presenciou por parte do magistrado, o qual sempre lhe dispensou tratamento cordial”;
Welton Roberto Pacheco Avelar: “QUE não presenciou qualquer episódio em que o Noticiado tenha faltado com urbanidade para com os servidores”;
Jorge Luiz Ferreira Viana: “QUE não houve nenhum episódio de falta de urbanidade entre o Noticiado e o depoente”;
Alan Marques de Carvalho: “QUE nunca presenciou o Noticiado faltando com urbanidade com ninguém; QUE o Noticiado possuía uma boa relação com os servidores do cartório eleitoral”;
Brenda Pinheiro Mota Brabo de Oliveira: “QUE jamais presenciou episódio de falta de urbanidade do Noticiado”;
Adonis Tenório Cavalcanti: “QUE o Noticiado costuma ser tranquilo e fazer brincadeiras para deixar o clima mais leve e que em relação aos advogados dos candidatos, fazia questão da presença do Ministério Público sempre que fosse se reunir com eles; QUE jamais presenciou qualquer ato de falta de urbanidade por parte do Noticiado durante as referidas reuniões.”
Márcio de Almeida Farias: “QUE não soube nada a respeito de suposta avocação de recursos do suprimento de fundos por parte do Noticiado; QUE nunca presenciou episódio de falta de urbanidade por parte do Noticiado.”
Em casos dessa natureza, o Conselho Nacional de Justiça já se pronunciou no sentido de afastar a caracterização e falta de urbanidade do magistrado no exercício de seu mister. Confira-se:
RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO. ACUSAÇÃO DE QUE O MAGISTRADO PROFERIU PALAVRAS DE BAIXO CALÃO CONTRA O ADVOGADO. TESTEMUNHO DE SERVIDORES. NÃO COMPROVAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE ENCAMINHOU OS AUTOS PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO EM RAZÃO DO POSSÍVEL COMETIMENTO DE CRIME POR PARTE DO ADVOGADO. TERMOS DO ART. 40 DO CPP. QUESTÃO MERAMENTE JURISDICIONAL. 1. Não há nos autos indícios mínimos de que o magistrado tenha proferido palavras de baixo calão de forma a ofender o advogado da causa, motivo pelo qual não foi configurada infração disciplinar passível de instauração de processo administrativo disciplinar. 2. Não compete ao Conselho Nacional de Justiça valorar o acerto ou desacerto de decisão de juiz que encaminhou cópia dos autos ao Ministério Público ao vislumbrar possível cometimento de crime, nos termos do art. 40 do CPP, uma vez que se trata de questão meramente jurisdicional, fora da competência deste Conselho. Tal conclusão persiste ainda que as instâncias ordinárias jurisdicionais tenham entendido pelo trancamento do inquérito policial em desfavor do advogado por falta de justa causa, de forma contrária à manifestação do magistrado. 3. Também não compete ao Conselho Nacional de Justiça avaliar se, naquela hipótese, estaria ou não configurado o crime tipificado no art. 299 do Código Penal, uma vez que se trata de questão relativa ao livre convencimento motivado do magistrado, passível de recurso nas vias jurisdicionais próprias. 4. Merece destacar que, em relação ao alegado desrespeito do recorrido para com a pessoa do advogado recorrente, por ter proferido críticas ácidas e palavras de baixo calão quando tratava de questão de natureza processual, sobre tais fatos não foi apresentado qualquer indício capaz de gerar a necessária justa causa para a instauração de eventual processo administrativo disciplinar (PAD), requisito esse essencial para a admissão do referido processo. Recurso administrativo improvido. (CNJ - RD: 00025275620172000000, Relator: HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 22/03/2019)
***
REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO. DESEMBARGADOR. SUPOSTA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 35, IV E VIII, DA LOMAN. FALTA DE URBANIDADE. NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO E ABERTURA DE PAD. AUSÊNCIA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR OU ILÍCITO PENAL. ARQUIVAMENTO DE PLANO. AGRAVO AO PLENÁRIO. PROVA CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. PEDIDO REVISIONAL AO CNJ. NÍTIDO VIÉS RECURSAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Pedido de revisão disciplinar em face de Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região que manteve a decisão do Presidente da Corte de determinar o arquivamento de pedido de providências instaurado para apurar possível falta funcional cometida por desembargador. 2. O julgamento proferido pelo TRT24 analisou detidamente a suposta prática de ato injurioso à honra objetiva e subjetiva do requente e à honra objetiva do Ministério Público, bem como a violação do artigo 35, incisos IV e VIII, da LOMAN, concluindo pela inexistência de infração disciplinar ou ilícito penal a ensejar a investigação do magistrado requerido. 3. Reexaminando-se a conduta do desembargador, o contexto fático-probatório e a medida adotada pelo TRT24, não se verifica imprecisão ou desacerto no Acórdão prolatado. O fato de se ter para si que a conduta do magistrado se revela descortês ou que há indícios de igual tratamento dispensado a outros juízes, servidores e terceiros não significa que, de fato, o é, e enseja a abertura de PAD. 4. Processo em que não se verifica o preenchimento de nenhuma das hipóteses previstas no artigo 83 do RICNJ, pois a decisão prolatada está amparada em circunstâncias contidas nos autos e não milita em sentido contrário a qualquer elemento apurado. 5. Pedido de revisão disciplinar julgado improcedente.
(CNJ - REVDIS: 00046055720162000000, Relator: MARIA TEREZA UILLE GOMES, Data de Julgamento: 31/10/2018).
Dessa forma, com a devida venia à conclusão do parecer ministerial, entendo que tais fatos, apesar de terem causado desconforto aos depoentes Alex Aquino e Isadora D’Oliveira, não tem o condão de caracterizar falta de urbanidade por parte do magistrado processado, considerando o contexto em que ocorreram.
Entendo, portanto, que a conduta imputada ao magistrado não configura violação ao art. 35, IV, da Lei Complementar nº 35/1979 (LOMAN).
4) Contribuição para a irregularidade na prestação de contas referente ao suprimento de fundos das Eleições de 2018 no valor de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais).
A alegação de que a avocação da guarda do suprimento de fundos por parte do magistrado concorreu de forma determinante para a declaração das contas do suprido Alex Aquino como “em alcance”, no valor de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) também foi argumento trazido pelo noticiante e reconhecido à época pela Exma. Sra. Corregedora que conduziu a investigação preliminar que culminou com a instauração do presente processo administrativo disciplinar, pois, ao cabo da prestação de contas, a unidade de análise técnica deste TRE-PA constatou diferença entre o valor efetivamente recebido e as despesas comprovadas mediante notas fiscais e recibos.
Entretanto, entendo que essa imputação foi insubsistente, na medida em que ficou suficientemente esclarecido que a irregularidade na prestação de contas se dera em razão da falta de um recibo no valor indicado, o qual foi posteriormente fornecido pelo processado, suprindo a omissão.
Ademais, em consulta ao processo de prestação de contas em questão (Processo SEI nº 0014112-56.2018.6.14.8016), denota-se, no documento de evento nº 1035266, portaria cuja finalidade é fazer cessar os efeitos da declaração alcance do servidor noticiante. Eis o texto do referido documento:
O desencontro entre a entrega do recibo e a análise das contas, que resultou no apontamento do referido valor como “em alcance” por parte do TRE, apesar de causar inequívoco dissabor ao processado, não é suficiente, na análise deste juízo, para justificar a imposição de sanção disciplinar ao magistrado processado, máxime quando o fato já foi esclarecido e o problema resolvido, com a posterior aprovação das contas.
Desta forma, a ausência de prejuízo comprovado nos autos, em razão da aprovação posterior das contas, torna insubsistente a imputação em exame, máxime porque, como o próprio noticiante atestou em seu depoimento, o recibo no valor faltante lhe foi entregue em mãos pelo magistrado processado. Rememore-se:
“QUE, após demandar do Noticiado o recibo da despesa no valor da diferença encontrada, recebeu dele o documento impresso; QUE o documento apresentado pelo Noticiado foi exatamente no valor faltante na prestação de contas.”
Ademais, conforme informação nº 49/2019-TRE/JUIZE/16ª ZE, prestada pelo noticiante no processo administrativo acima indicado (evento SEI nº 0896254), ao justificar a ausência de apresentação do recibo faltante, foi declarado que “o referido “barqueiro” assinou o recibo na mesma data (28 de outubro de 2018), cujo documento foi guardado em pasta diversa da que deveria ter sido juntada”. Vejamos:
Por tais razões, concluo pela não configuração da conduta imputada ao magistrado processado.
5) Tratamento dispensado a técnicos de urna incompatível com os deveres da magistratura.
A imputação aqui consignada diz respeito não apenas à suposta ausência de fiscalização de sua parte quanto à assiduidade e ao serviço desempenhado por esses técnicos.
Sobre essse fato, os depoimentos constantes nos autos demonstram que dois deles (Rúbens e William) cumpriam fielmente com sua jornada de trabalho, apesar de não o terem feito desde o início da vigência de seu contrato. Eis algumas passagens que corroboram a afirmação:
Jorge Luiz Ferreira Viana: “QUE conheceu dois dos técnicos de urna contratados para a realização dos trabalhos; QUE um dos três técnicos (Taynara) nunca compareceu ao serviço; QUE o William e o Rúbens cumpriam normalmente o expediente; QUE era o depoente quem repassava os trabalhos aos técnicos de urna, embora fosse atribuição típica do chefe de cartório; QUE não sabe dizer se o Noticiado tomou alguma providência para que a técnica de urna Taynara comparecesse ao serviço”;
Alex Adam Ramos de Aquino: “QUE, no primeiro turno, passou a primeira semana de vigência do contrato dos técnicos de urna e eles não compareceram, mas apenas dois deles (Rúbens e William) passaram a frequentar o cartório, mas a terceira técnica jamais se apresentou; QUE, a partir de então, os dois técnicos de urna passaram a cumprir seu horário normalmente até o primeiro turno, porém se ausentaram por um tempo após o primeiro turno e retornaram somente em período mais próximo ao segundo turno; QUE a terceira pessoa contratada era uma mulher, chamada Taynara de Almeida Zimmer; QUE ela jamais compareceu ao trabalho; QUE o Noticiado não tomou nenhuma atitude para solucionar o problema do absenteísmo da contratada”.
Erick Costa Figueira (magistrado processado): “QUE os técnicos de urna Rúbens e William desempenharam regularmente suas funções, porém a técnica Taynara não as desempenhou, porém, quanto a esta última, optou por fazer uso de seu direito ao silêncio, por situação de natureza conjugal e para resguardar sua intimidade; QUE não sabe como era feito registro da frequência dos técnicos de urna.”
Quanto à técnica de urna Taynara, conforme visto nos excertos acima, ficou incontroverso que a mesma jamais compareceu para cumprir jornada de trabalho.
A esse respeito, o absenteísmo da referida técnica deveria ser rechaçado com a mesma veemência com a qual o foi a rejeição das contas por ausência de um recibo: tão logo estivesse ocorrendo.
Em que pese a indicação de seu nome ter partido do magistrado processado, o silêncio sobre alegada prática flagrante de ato ilícito, como o registro indevido de ponto da referida funcionária consignado no depoimento do noticiante, deveria ter sido motivo de imediata comunicação à empresa contratante e ao próprio TRE.
Se, por um lado, compete ao ao magistrado processado o dever de fiscalizar a regularidade dos trabalhos de seus subordinados, entre os quais se encontra o chefe de cartório e aqueles que se encontram a ele vinculados pela estrutura hierárquica, por outro, também competia ao chefe de cartório promover as diligências necessárias para o cumprimento do contato firmado, comunicando à empresa contratante a irregularidade constatada e solicitando a tomada de providências. Bem assim, tendo conhecimento de registro indevido de ponto eletrônico por pessoa diversa do funcionário contratado, não poderia ficar inerte, devendo promover a competente comunicação, como por fim o fez, após ter sua prestação de contas considerada “em alcance”.
Saliente-se que, quanto à técnica de urna Taynara de Almeida Zimmer, o magistrado processado fez uso de seu direito ao silêncio, para garantia do direito à não auto-incriminação, razão pela qual a ausência de declaração a esse respeito não pode ser tomada como presunção em seu desfavor. Nesse sentido, eis a jurisprudência:
HABEAS CORPUS. DIREITO AO SILÊNCIO. GARANTIA DO DIREITO A NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. CONCESSÃO DA ORDEM. 1- Qualquer pessoa que preste depoimento em qualquer das esferas do Poder Público pode utilizar-se do direito ao silêncio, para evitar a auto-incriminação. 2- Medidas que restringem garantias constitucionais devem ser observadas como medidas excepcionais, somente se justificando mediante elevado interesse público devidamente fundamentado, sob pena de violação ao disposto no art. 93, IX da Constituição Federal. 3- Concessão da ordem. (TRE-MA - HC: 328 MA, Relator: ROBERTO CARVALHO VELOSO, Data de Julgamento: 19/05/2009, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 102, Data 29/05/2009, Página 23).
Registro, ainda, que não andou bem o magistrado processado ao indicar pessoas próximas e até o seu irmão para serem contratados na qualidade de técnicos de urna, contudo, esse fato não consta como objeto do presente PAD e, por isso, não deve ser levado em consideração por esta E. Corte.
Em vista disso, e por não haver nos autos elementos suficientes para atribuir exclusivamente ao noticiado a responsabilidade pelo absenteísmo da referida técnica de urna, entendo que tal acusação não ficou configurada, devendo ser afastada.
6) Demanda referente ao suprimento de fundos das Eleições de 2016.
Tal imputação não foi objeto de declaração por parte do noticiante, tendo surgido quando do depoimento da testemunha Isadora Jeronima Trindade Rollo D’Oliveira na fase de investigação preliminar, ocasião na qual declarou que o magistrado processado também tentou avocar para si o valor consistente em sobra da prestação de contas do suprimento de fundos das eleições de 2016, tendo manifestado comportamento agressivo diante da negativa da depoente, que era chefe de cartório e suprida na ocasião.
Sobre essa conduta, entendo que também é insubsistente, na medida em que a referida prestação de contas foi devidamente aprovada e tais fatos não foram sequer trazidos ao conhecimento deste TRE à época, não havendo aparentes indícios de materialidade que justifiquem a imposição de sanção disciplinar ao magistrado processado por tais alegações, tampouco houve prejuízo à suprida ou ao Erário decorrente de conduta atribuível ao magistrado.
Ademais, além da aprovação das contas, foi também realizada a devolução do valor apontado pela referida servidora, estando suficientemente esclarecidos os fatos a esse respeito.
DA CONCLUSÃO
Por fim, diante de todas as considerações acima expostas, concluo que não há nos autos elementos que justifiquem a imposição de sanção disciplinar ao magistrado processado pelos fatos a ele imputados, diante da inexistência de prova robusta que ateste a prática das condutas que lhe foram atribuídas, sendo imperiosa, por conseguinte, a improcedência do processo administrativo disciplinar, na esteira do entendimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ:
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. NÃO COMPROVAÇÃO DE CONDUTAS DEFINIDAS NA PORTARIA. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ, DOLO ou CULPA GRAVE NA ATUAÇÃO DO REQUERIDO. NÃO APURADO PREJUÍZO. PAD JULGADO IMPROCEDENTE. 1. Da análise do conjunto dos elementos produzidos nos autos, verifica-se que as infrações disciplinares imputadas ao requerido não restaram absolutamente demonstradas por meio de prova robusta, segura e suficiente, produzidas sob o crivo do contraditório, a embasar um decreto condenatório, pois ausente má-fé, dolo ou culpa grave nas condutas identificadas. 2. Ausência de elementos nos autos que aponte dolo, má-fé ou culpa grave na atuação do Magistrado requerido no processo licitatório. Prejuízo não demonstrado 3. Processo Administrativo Disciplinar julgado improcedente. (CNJ - PAD: 00044943920172000000, Relator: ARNALDO HOSSEPIAN, Data de Julgamento: 24/09/2019) (Destaquei).
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o presente processo administrativo disciplinar, reconhecendo a inexistência de infração disciplinar, nos termos da fundamentação ao norte lançada.
É como voto.
Belém, 30 de novembro de 2021
Juiz Rafael Fecury Nogueira
Relator
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO (1264) - 0600118-30.2020.6.14.0000 - Belém - PARÁ.
RELATOR: Juiz Rafael Fecury Nogueira.
NOTICIANTE: ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO.
NOTICIADO: ERICK COSTA FIGUEIRA.
VOTO DIVERGENTE
A Senhora Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna: Ouvi atentamente o bem lançado voto do relator, porém, divirjo no tangente ao não reconhecimento de falta de urbanidade no trato como os servidores.
A falta de urbanidade não exige reiteração da conduta para sua caracterização, mas não sendo reiterada, tem que ser grave é incompatível com a postura que o gestor deve ter no trato com o subordinado. Embora não tenhamos o teor do diálogo, ficou apurado que foi um diálogo severo, áspero, com batida de mãos na mesa e batida de portas. Tais condutas são graves e comprovam a falta de urbanidade, caracterizando a infração violação do inciso IV do artigo 35 da LOMAN.
É como voto.
Belém, 30 de novembro de 2021.
Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO (1264) - 0600118-30.2020.6.14.0000 - Belém - PARÁ.
RELATOR: Juiz Rafael Fecury Nogueira.
NOTICIANTE: ALEX ADAM RAMOS DE AQUINO.
NOTICIADO: ERICK COSTA FIGUEIRA.
VOTO
A Senhora Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento: Conforme relatado, cuidam os autos de processo administrativo disciplinar que visa a apuração de fatos noticiados pelo servidor efetivo deste TRE/PA, Alex Adam Ramos de Aquino supostamente praticados pelo magistrado Erick Costa Figueira da 16ª Zona Eleitoral - sediada em Afuá, na ocasião das Eleições de 2018.
O art. 14, § 3º, da Res. CNJ nº 135/2011[1] dispõe que no julgamento de processos que visam a apuração de infrações disciplinares praticadas por magistrados devem votar o Presidente e o Corregedor do Tribunal. Por essa razão, considero pertinente expor o meu entendimento sobre a matéria.
O processo administrativo disciplinar foi instaurado através da Res. TRE/PA nº 5.675/2021 (ID 10297169), com base no art. 13 e no § 1º do artigo 15 da Resolução do CNJ n. 135/2011, durante sessão de julgamento realizada em 18 de dezembro de 2020, em que se fixaram os fatos controvertidos que deveriam ser apurados no PAD, quais sejam:
- avocação da guarda do Suprimento de Fundos destinado à realização das eleições de 2018, na circunscrição da 16ª ZE, em desacordo com o art. 35, I, da LOMAN; (relacionado ao 4);
- delegação ao servidor terceirizado, Welton Roberto Pacheco Avelar, responsável pela limpeza do dever de efetuar as contratações e os pagamentos com os recursos do Suprimento de Fundos 2018, bem como, de colher os recibos e notas fiscais correspondentes, em desacordo com o art. 35, I, da LOMAN;
- falta de urbanidade no trato com servidores, em desacordo com o art. 22, do Código de Ética da Magistratura e com o art. 35, IV, da LOMAN;
- favorecimento à configuração da irregularidade relativa à parcela do Suprimento de Fundos 2018, no importe de R$ 2.700,00, que não foi devolvida com a prestação de contas e nem teve sua regular utilização comprovada, em razão da adoção de condutas irregulares (delegação de atribuições próprias do suprido a outro servidor e avocação da guarda dos recursos do suprimento de fundos), e negativa de responsabilidade pelo fato, em desacordo com o art. 37 do Código de Ética da Magistratura;
- dispensa em relação aos técnicos de urna Taynara de Almeida Zimmer, Willian Crowell Costa de Menezes e Rubens Pereira Tavares, de tratamento incompatível com os deveres funcionais do magistrado de fiscalizar as atividades dos subordinados e de fazê-los cumprir com exatidão as disposições legais e atos inerentes ao ofício, em desacordo com o art. 35, I e VII, da LOMAN e
- demanda referente ao saldo do Suprimento de Fundos destinado à realização das Eleições 2016, na circunscrição da 16ª ZE, em desacordo com o art. 37 do Código de Ética da Magistratura.
Pois bem. Analisarei individualmente cada uma das condutas atribuídas ao magistrado Erick Costa Figueira.
- Avocação da guarda do Suprimento de Fundos destinado à realização das eleições de 2018, na circunscrição da 16ª ZE, em desacordo com o art. 35, I, da LOMAN.
O suprimento de fundos que tratam estes autos constitui uma verba orçamentária destinada às Zonas Eleitorais para custear despesas com a realização de atividades que demandem serviços de transporte contratados através de pessoas físicas ou jurídicas, compra de combustível e de outros materiais de consumo, visando à realização das Eleições 2018, nos termos da Portaria TRE-PA nº 18.042/2018.
No âmbito deste Tribunal, o normativo que disciplinava a matéria, nas Eleições de 2018 era a Resolução TRE/PA nº 5.228, de 24 de abril de 2014, cujo art. 2º[2] discorre acerca das responsabilidades dos agentes supridos.
Da análise do dispositivo mencionado, percebe-se que o suprido é responsável pela aplicação e prestação de contas do suprimento de fundos destinado ao pleito eleitoral. Nessa esteira, foi designado o servidor Alex Adam Ramos de Aquino como o suprido da 16ª ZE - nas eleições de 2018. Por essa razão, a verba do suprimento de fundos estava guardada no Fórum Eleitoral, dentro do cofre.
Ocorre que o cofre apresentou problemas, não se mostrando mais seguro para o armazenamento do suprimento de fundos, eis que ficou aberto.
Ao tomar ciência da situação, o magistrado Erick pediu ao suprido a verba do suprimento de fundos para guardá-la no cofre do Fórum Estadual, medida que se mostrou adequada para garantir a segurança do dinheiro.
Conforme depoimentos do servidor Adonai (ID 19255919), o juiz eleitoral, Erick, participava ativamente do pleito. Cito excerto:
Que o magistrado participa ativamente nas Eleições; que não possui atribuições relativas às prestações de contas de recursos públicos; Que o magistrado solicitou a guarda do dinheiro do suprimento de fundos ao chefe do cartório, (...).
Cumpre ressaltar que o juiz eleitoral, inobstante não ser o suprido, é responsável pela gestão das eleições na Zona Eleitoral. Nesse sentido, ao saber que a verba destinada ao pagamento das despesas do pleito encontrava-se em local inseguro, agiu como gestor e guardou-a no cofre do Fórum Estadual.
Observo que a posição do gestor é delicada, pois se não tomasse alguma medida para garantir a segurança do suprimento, poderia ser acusado de omissão.
Nesse contexto, não se mostra plausível penalizar o gestor da zona eleitoral por ter agido para garantir a segurança da verba destinada ao pleito. Ao contrário, na situação dos autos, entendo que não cabia outra atitude ao magistrado, senão conferir a segurança da verba do suprimento de fundos, sob o risco de prejudicar a realização das Eleições.
Nesse sentido, cito excerto do depoimento do magistrado ao responder ao Procurador Regional Eleitoral: foi ele quem pediu, por ser gestor, entendeu que a solução que se apresentava mais adequada, em vista do cofre do Fórum eleitoral que estava quebrado, foi essa.
Assim, não verifico configurada a avocação na conduta atribuída ao magistrado neste item.
- Delegação ao servidor terceirizado, Welton Roberto Pacheco Avelar, responsável pela limpeza do dever de efetuar as contratações e os pagamentos com os recursos do Suprimento de Fundos 2018, bem como, de colher os recibos e notas fiscais correspondentes, em desacordo com o art. 35, I, da LOMAN.
Antes de iniciar a análise deste tópico, vale esclarecer que o TRE/PA realiza, antes de cada pleito, licitação para contratação de empresas que ficarão responsáveis pela distribuição e recolhimento das urnas eletrônicas a serem utilizadas nos dia do pleito em todo estado do Pará e, geralmente, as empresas vencedoras ficam responsáveis por um lote específico contendo um grupo de zonas eleitorais.
O referido contrato de transporte realizado pelo TRE, não pode ser confundido com o contrato de transporte realizado diretamente pelo Cartório Eleitoral por meio de suprimento de fundos, neste caso, o suprido fica limitado aos serviços de transporte para deslocamento de servidores para realização de vistorias de local de votação, realização de fiscalização de propaganda, deslocamento de técnicos de urnas para realização de procedimentos de contingência no dia do pleito, contudo não pode ser utilizado para o transporte de urnas.
Da análise do sítio da intranet do TRE/PA[3] em cotejo com o conteúdo dos depoimentos, constata-se este Tribunal formalizou o Contrato nº 71/2018 com a empresa WR TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA - ME para a realização da distribuição e recolhimento das urnas e material de votação no dia do pleito em diversas Zonas Eleitorais, dentre elas a 16ª ZE - Afuá.
O terceirizado Welton relatou em juízo que foi contratado pela referida empresa, tendo sido remunerado pelo serviço de contratação dos barqueiros que realizaram o serviço e o pagamento com o numerário da referida empresa.
A esse respeito cumpre destacar excerto do depoimento do terceirizado Welton, ID 19256069, ao responder as perguntas formuladas pelo Procurador Regional Eleitoral em que afirma:
No período da eleição foi contratado pela Empresa WR por uma pessoa de nome Wagner para fazer a logística das eleições que se tratava apenas de contratação de barqueiros; que a empresa depositava o valor em sua conta e repassava para os barqueiros. (Destaquei).
Aos questionamentos formulados pelo advogado do Magistrado, o terceirizado Welton acrescentou (ID 19256069):
Que o Sr Wagner era representante da empresa WR; que não sabe informar quem é o dono da empresa, que houve uma reunião em que participou juntamente com o Sr Wagner e o chefe do cartório para fazer a logística das eleições e na oportunidade foi indicado pelo chefe do cartório para fazer a contratação dos barqueiros e posteriormente foi contratado pela empresa WR em Belém no dia de seu treinamento de Tsat, momento em que acertou com o Sr Wagner que teria que pagar 50% do valor para os barqueiros para fazerem a eleição e após 2 dias da eleição teria que pagar o restante do valor. Que o magistrado não participou da reunião” (destaquei).
Às perguntas formuladas pelo relator Rafael Fecury, o Sr Welton respondeu (ID 19256069):
Que em 2018 participou do pagamento dos barqueiros, pois foi contratado para fazer a distribuição e recolhimento das urnas pelo Sr Wagner; Que o valor dos pagamentos foi em torno de R$ 18.000,00; Que teve contato com mais de 10 barqueiros; Que lembra o nome de alguns barqueiros como Adriano, Ademir, Fala Grossa…; Que ganhou mais de R$ 2.000,00 reais para fazer o serviço, inicialmente recebeu 50% do valor e após recebeu o restante. (Grifo nosso).
Da análise do Contrato nº 71/2018, no sítio deste Tribunal, constata-se serem verídicas as informações do Sr. Welton visto que a empresa WR TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA - ME, tem como representante legal o Sr. WAGNER FIGUEIREDO DA CUNHA, cujo objeto do contrato se refere à CONTRATAÇÃO DE EMPRESA QUE PRESTE SERVIÇO DE COLETA, TRANSPORTE, DISTRIBUIÇÃO E RECOLHIMENTO DE URNAS ELETRÔNICAS E SEUS MATERIAIS AGREGADOS PARA A REALIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES 2018 (LOTES 7 e 8), conforme disposto no Termo de Referência do Pregão n.º 60/2018.
O servidor Jorge (ID 19256169), lotado na Seção de Contabilidade, que esteve em Afuá nas Eleições de 2018, destacou a contratação de empresa terceirizada para a realização de transporte de urnas pelo TRE, bem como a designação do Sr. Welton para realizar o serviço em Afuá em seu depoimento, ao responder às perguntas formuladas pelo Relator, Dr. Rafael Fecury:
O TRE contrata empresas por região para fazer o transporte de urnas eletrônicas; Que na prática a empresa contratada repassa esse serviço de gerenciamento para os chefes de cartório, até porque não possui conhecimento das rotas, transporte e barqueiros dos municípios; Que não teve conhecimento que foi alguém da empresa em Afuá, apenas contato por telefone; Que no caso de Afuá, o encargo de contratação ficou com o Sr Welton, mas não sabe como se dava o pagamento dos barqueiros; Que passou aproximadamente 40 (quarenta) dias em Afuá; (grifo nosso).
Destarte, verifica-se que o terceirizado realizou o serviço de contratação dos barqueiros amparado pela designação da empresa de transporte WR, vencedora da licitação, não havendo nos autos nenhum documento ou depoimento das testemunhas que demonstrem que o magistrado delegou as contratações de barqueiros com o recurso do suprimento de fundos para as Eleições 2018 ao terceirizado Welton.
Isso posto, concluo pela não configuração da conduta elencada no item 2.
- Falta de urbanidade no trato com servidores, em desacordo com o art. 22, do Código de Ética da Magistratura e com o art. 35, IV, da LOMAN.
Da análise dos autos, quanto à conduta do magistrado Erick Costa Figueira no trato com os servidores, os depoimentos dos servidores Alex Adam, Isadora Jerônima Trindade, Adonai Silveira Canez e Jorge Luiz Ferreira demonstram claramente que o magistrado, em determinadas ocasiões, tratou de forma ríspida e descortês o servidor Alex Adam. Demonstram, ainda, a exasperação do magistrado com atos descontrolados dentro do Cartório Eleitoral, batendo em portas e mesas.
Com o fito de demonstrar a exasperação no comportamento do magistrado, no exercício de suas funções, destaco alguns depoimentos. O servidor Alex (ID 19259119), ao responder aos questionamentos formulados pelo Procurador Regional Eleitoral, dr. José Augusto Potiguar, afirma que:
Que estava no cartório somente ele e o Welton e havia iniciado o período para os técnicos de urna se apresentarem. Que ligou para a empresa para cobrar a presença deles. Por isso, o Dr. Erick foi ao Cartório exaltado e batendo as portas.
Que o dr. Erick o chamou em sua sala reservadamente quando ele batia na mesa, nas portas, mandou-o sentar. Disse que confiava nele para fazer a melhor eleição de todas as zonas. Foi a primeira vez que viu o magistrado assim, bem mais enérgico. (Grifei).
Mais adiante, o servidor Alex acrescentou que:
Passado o primeiro turno foi pedido suplementação do suprimento de fundos, para o segundo turno. Foi constatado no Sistema SEI que o TRE teria adiantado o valor do segundo turno no primeiro. Depois de pedir a suplementação, o TRE adiantou o valor de R$3.518,25. Foi a segunda vez que viu uma atitude desproporcional do magistrado. E nesse momento havia outros servidores TSAT’s no cartório, que presenciaram o ocorrido. O magistrado bateu às portas e afirmou que quem manda no cartório seria ele e chamou o servidor Alex em sua sala reservadamente, no TJPA. Estavam presentes o Alex, o assessor e o magistrado. (Grifo nosso).
O servidor Adonai (ID 19255919), ao responder às perguntas formuladas pelo representante do Ministério Público, afirmou em juízo que:
(...) no dia que pediu o dinheiro, o magistrado falou gritando, batendo na mesa, extremamente descontrolado que acha que no ambiente de trabalho isso não deveria acontecer.(...) Que não presenciou outra situação de falta de urbanidade do magistrado Erick, além da relatada acima. (Negritei).
O servidor Adonai, ao ser questionado pelo relator Rafael Fecury, novamente confirmou que:
O magistrado chegou ao cartório muito irritado, gritando, batendo a porta e entrou para sala do magistrado e chamou o chefe do cartório e falou gritando muito, dizendo que era para passar para ele o valor do suprimento de fundos, dando para ouvir do outro lado da rua, mas não recorda as palavras exatas usadas pelo magistrado. (Negritei).
O servidor Jorge (ID 19256169), lotado na Seção de Contabilidade, que esteve em Afuá nas Eleições de 2018, para prestar apoio afirmou em juízo que:
[...] lembra de um dia o Dr. Erick ter entrado no cartório furioso e chamou o servidor Alex para dentro e ouviu aumento de tom de voz, brigando com o servidor, mas não lembra a razão, somente que ficou constrangido pelo fato. (Negritei).
Por sua vez, a servidora Isadora (ID 19259419), que esteve lotada em Afuá no pleito de 2016, atualmente lotada na sede deste Tribunal, afirmou em juízo que:
[..] quando estava lotada em Afuá teve uma divergência com o magistrado em relação ao uso do dinheiro que havia sobrado das eleições, sobre se o dinheiro seria devolvido ao TRE/PA, pois o magistrado pediu para ficar com o dinheiro que havia sobrado do suprimento de fundos. E, por conta dessa situação houve uma confusão. O magistrado gritou, colocou a mão na arma, em tom intimidatório, gritava com os requisitados e com ela.
O dinheiro estava sob a guarda dela, pois era a suprida. O desentendimento se deu quanto ao valor que havia sobrado do suprimento de fundos para a realização da eleição. Na época havia sobrado em torno de nove mil e poucos reais e ela tinha que devolver esse dinheiro para a União, mas o juiz à época se dirigiu à servidora e solicitou o dinheiro e ela recusou-se dar, pois já havia passado o prazo de aplicação dos recursos, então a única coisa a ser feita era gerar a GRU e devolver para o tribunal o recurso.
Nesse momento, teve uma confusão na sala, ele saiu alterado, gritou, bateu a porta, colocou a mão na arma, porque ela não quis dar o dinheiro para ele, sendo que a responsável era ela.
A servidora disse que falou para o magistrado que teria de prestar contas se der o dinheiro a ele; que o dinheiro somente poderia ser aplicado nas eleições e o prazo para a aplicação do dinheiro já havia encerrado, que poderia responder civilmente, criminalmente, administrativamente.
A partir daí começou a confusão, porque o magistrado se alterou.
O magistrado não justificou porque queria o dinheiro.
A servidora afirma que se sentiu ofendida com a conduta do magistrado. (Negritei).
O próprio magistrado (IDs 20115269, 20115319 e 20115369) reconheceu que excedeu em sua conduta em relação ao citado servidor. Transcrevo trecho do depoimento em juízo:
Que é inevitável que no trabalho, de muita cobrança e exigência, naturalmente, vez por outra se exaspera por alguma questão, seja por querer resolver alguma coisa e não conseguir. Então, a chateação é inerente ao ser humano, mas a acusação desse ponto é muito pesada, não ter urbanidade. Tudo bem, estão pontuadas duas situações, efetivamente de não ter tido a urbanidade necessária. Como coloquei em minha defesa, desde o início, houve sim um momento em que me exasperei com o servidor Alex. Na verdade dois momentos, um foi tranquilo e em outro, chamei-o em minha sala e chamei atenção, mas configurar isso uma falta de urbanidade....bem....é muito pessoal essa análise. Não estou querendo entrar no julgamento do mérito, mas eu já fui servidor também e, isso acontecia recorrentemente e eu aceitava isso como algo que o meu gestor naquele momento estava querendo para o bem do meu serviço. É relativo interpretar como falta de urbanidade.(Destaquei).
Concluiu-se da análise dos depoimentos alhures destacados que a conduta do magistrado, no que se refere ao trato com o servidor, em circunstâncias pontuais, ofendeu aos preceitos de ética que norteiam as funções constitucionalmente atribuídas aos magistrados.
Percebe-se que o destemperamento do magistrado se deu em ocasiões pontuais, quando se discutia acerca da destinação e guarda do dinheiro de suprimento de fundos e quanto à assiduidade dos Técnicos de Urnas no Cartório Eleitoral. Não há notícias nos autos de que era a forma habitual de trato com servidores, jurisdicionados, colegas ou membros do Ministério Público.
Nesse contexto, em sentido contrário à situação acima reportada, a servidora Rute Helena Sardinha Costa (ID 19439219), requisitada da 9ª ZE - Anajás, afirma que:
Enquanto o Dr. Erick respondeu por Anajás sempre tratou todos os servidores de um modo bem tranquilo. Nunca presenciou e nem soube de tratamento grosseiro do magistrado com alguém. (Destaquei).
Do mesmo modo, o servidor Fábio Pires Braga (id. 19439319), atuou como servidor requisitado no cartório eleitoral no período de 2008 a 2018, afirmou que:
(...) não presenciou nenhum desentendimento entre a servidora Isadora e o magistrado. Afirma que o doutor Erik o tratava com respeito, nunca presenciou nenhuma conduta grosseira dele. (Destaquei).
O Promotor de Justiça Dr. Márcio de Almeida Farias (ID 19439519) lotado, atualmente da 35ª Zona Eleitoral - Baião e Mocajuba, afirma que:
(...) trabalhou em Afuá no período de 2017 a 2019 e atuou nas eleições de 2018 em Afuá. Afirma não ter presenciado, durante 2 (dois) anos em que atuou na comarca, nenhum comportamento descortês do magistrado com servidores ou com os jurisdicionados, inclusive durante as audiências. Não tinha conhecimento acerca da parte administrativa. (Destaquei).
Dr. Adonis Tenório Cavalcanti (ID 19439619), atual Promotor de Justiça de Afuá, desde julho de 2019, afirmou em juízo que:
Na Eleição de 2020 o Dr. Erick realizou uma reunião, juntamente com os servidores, na qual o magistrado esclareceu que não iria se envolver em questões administrativas, inclusive financeiras relacionadas ao pleito, às quais ficariam a cargo do servidor Alam, chefe de Cartório.Que o doutor Erick era bem tranquilo no trato com os servidores, brincalhão. Nunca presenciou nenhum ato desrespeitoso do magistrado. (Destaquei).
Dos depoimentos destacados, percebe-se que, de maneira geral, o magistrado mantinha tratamento respeitoso e cortês com os servidores, colegas e jurisdicionados.
Ocorre que, nas situações descritas pelos servidores Alex (ID 19259119), Adonai (ID 19255919), Jorge (ID 19256169) e Isadora (ID 19259419), pelos elementos dos autos, percebe-se o tratamento descortês do magistrado com os servidores, em situações pontuais, nos pleitos de 2016 e 2018.
Embora esse comportamento não pareça ser o habitual do magistrado no trato com servidores, colegas e jurisdicionados, não se pode admitir a supracitada conduta, notadamente em relações que envolvem subordinação.
Desse modo, peço vênia ao eminente relator, para concluir que a conduta do magistrado Erick Costa Figueira configura a falta de urbanidade com o servidor Alex, em inobservância ao dever legal inserto no inciso IV do artigo 35 da LC. 35, de 14 de março de 1979[4].
- Favorecimento à configuração da irregularidade relativa à parcela do Suprimento de Fundos 2018, no importe de R$ 2.700,00, que não foi devolvida com a prestação de contas e nem teve sua regular utilização comprovada, em razão da adoção de condutas irregulares (delegação de atribuições próprias do suprido a outro servidor e avocação da guarda dos recursos do suprimento de fundos), e negativa de responsabilidade pelo fato, em desacordo com o art. 37 do Código de Ética da Magistratura.
No que concerne a esta conduta, constato que, apesar de o magistrado ter ficado com a guarda do dinheiro, não ficou demonstrado, nos autos, que o servidor estava impedido de ter acesso a ele. Ao contrário, o próprio servidor relatou em juízo que quando necessitava pagar alguma despesa ele se dirigia ao magistrado ou pedia ao terceirizado Welton( Membeca) para o fazer. Assim, o juiz não impediu que o suprido tivesse acesso ao dinheiro.
Destaco trecho do depoimento:
Que quando precisava pedia para o terceirizado Welton, sob a orientação do magistrado, o Welton apresentava a nota fiscal e o magistrado repassava o valor ao Welton que entregava-o ao Alex.
Ressalto que, ao consultar o Processo SEI nº 0014112-56.2018.6.14.8016 (Processo de Prestação de Contas do Suprimento de Fundos das Eleições de 2018 - Afuá), percebe-se que o servidor juntou aos autos os recibos de pagamento das despesas quitadas (eventos 0662190, 0662234, 0662234, 0662274, 0662286, 0662292) bem como os comprovantes de recolhimento dos impostos, o que reforça a tese de que o fato de não estar com a guarda do dinheiro, por si só, não representou impedimento para que o servidor administrasse o suprimento.
Desse moo, não é possível asseverar que a irregularidade nas contas se deu em virtude de ter o magistrado mantido o dinheiro do suprimento de fundos sob sua guarda.
Desse modo, não verifico liame entre o fato de o dinheiro ter ficado sob a guarda do magistrado e a consequência final que resultou na diferença do valor de R$ 2.700,00 na prestação de contas do suprimento de fundos, visto que em momento algum o servidor Alex se diz impedido em ter acesso ao dinheiro do suprimento de fundos.
Pelo exposto, concluo pela não configuração da conduta elencada no item 4.
- Dispensa em relação aos Técnicos de Urna Taynara de Almeida Zimmer, Willian Crowell Costa de Menezes e Rubens Pereira Tavares, de tratamento incompatível com os deveres funcionais do magistrado de fiscalizar as atividades dos subordinados e de fazê-los cumprir com exatidão as disposições legais e atos inerentes ao ofício, em desacordo com o art. 35, I e VII, da LOMAM.
Inicialmente, cumpre salientar que a contratação dos técnicos de urnas que trabalham no período eleitoral é atribuição de empresa contratada pelo TRE/PA, vencedora em procedimento licitatório.
Posteriormente, a empresa solicita a indicação de nomes para futura contratação aos responsáveis pelas zonas eleitorais, considerando se tratar de tarefa que exige confiança e idoneidade, uma vez que trabalham diretamente com as urnas eletrônicas.
No caso dos autos, ficou evidente que a indicação dos 3 (três) contratados para TUs na 16ª ZE- Afuá foi realizada pelo magistrado, fato inclusive confirmado por ele em seu depoimento ao responder ao Relator Rafael Fecury quando perguntado se conhecia os técnicos de urnas Taynara , William e Rubens (IDs 20115269, 20115319 e 20115369):
Sim, excelência. Eu posso lhe dizer que, realmente, não só os conhecia, como eram pessoas próximas e eu fiz a indicação (...).
Da análise dos depoimentos colhidos nos autos, ficou inequívoco que a técnica de urna Taynara não se apresentou ao cartório para trabalhar e tampouco desempenhou as funções para as quais foi contratada. Em relação aos TUs William e Rubens, não ficou claro se cumpriram suas atribuições de forma estrita, considerando que houve contradições entre os depoimentos dos servidores do TRE que prestavam suporte no Cartório de Afuá.
Nesse contexto, vale reproduzir excerto do depoimento de servidor Adonai aos responder às perguntas formuladas pelo Ministério Público Eleitoral (ID 19255919):
Os técnicos de urnas não estavam desempenhando as atividades deles, apenas os técnicos de satélites estavam fazendo o serviço nas urnas. Que o fato gerou uma sobrecarga nos técnicos de satélites que tinham que desempenhar as duas atividades; que houve prejuízo para o serviço eleitoral, pois no dia da eleição ficou sobrecarregado o serviço dos servidores do cartório ficaram sobrecarregados, tendo que dar suporte e acompanhar as seções durante a eleição na cidade, pois os técnicos de satélite viajam para o interior. (Negritei).
Por outro lado, o servidor Jorge, ao responder as perguntas do Procurador Regional Eleitoral afirmou que os técnicos trabalharam, conforme trecho abaixo transcrito (ID 19256169):
Que conheceu 2 técnicos de urnas que trabalharam em Afuá, mas que uma mulher nunca apareceu para trabalhar; que conheceu William e Rubens e que ficavam direto no cartório e que a fiscalização do trabalho dos técnicos de urna é legalmente realizado pelo chefe do cartório, mas no caso era o depoente que realizava.
(...).
Que os técnicos de urnas são terceirizados; quem em Belém existe um responsável por todos os técnicos e qualquer problema que houvesse seria repassado para esses responsáveis.
(Negritei).
De qualquer sorte, em que pese as indicações terem sido realizadas pelo magistrado, a fiscalização do cumprimento dos deveres dos técnicos de urna não compete ao juiz eleitoral, mas ao chefe do cartório, como fiscal local do contrato, que deve reportar ao Tribunal Regional Eleitoral o descumprimento das obrigações, tais como assiduidade, pontualidade e desempenho de atividades do cargo.
Nesse contexto, não se verifica responsabilidade do juiz eleitoral em fiscalizar o cumprimento dos deveres dos técnicos de urnas, pois compete à chefia do cartório informar ao TRE/PA formalmente as referidas ocorrências para que este Tribunal tome as providências cabíveis.
Isso posto, concluo pela não configuração da conduta elencada no item 5.
- Demanda referente ao saldo do Suprimento de Fundos destinado à realização das Eleições 2016, na circunscrição da 16ª ZE, em desacordo com o art. 37 do Código de Ética da Magistratura.
A esse respeito, a servidora Isadora Jerônima Trindade Rollo D’Oliveira, chefe do cartório da 16ª ZE- Afuá no pleito de 2016, afirmou que havia sobrado cerca de dez mil reais do suprimento de fundos para as eleições 2016 e que ao tomar conhecimento, o magistrado teria solicitado o valor, mas não teria justificado o que faria com o dinheiro, e após um desentendimento entre a servidora e o magistrado, a entrega do valor foi negada por Isadora.
Ao ser questionado a respeito pelo Procurador Regional Eleitoral, o magistrado afirmou (IDs 20115269, 20115319 e 20115369):
O que aconteceu, Excelência, a Justiça Eleitoral funcionava no prédio do Fórum estadual, ela ocupava, inicialmente, 2 salas, chegou a ocupar 3 e isso já vinha há muito tempo.
Antes da mudança para o Fórum eleitoral houve algumas adaptações e isso tirou a originalidade o prédio do Fórum estadual. Então, falei com a servidora chefe de cartório à época, Carla, que teriam que fazer reforma no prédio quando fosse entregue o prédio do Fórum Eleitoral. A servidora afirmou-lhe para não se preocupar, pois iria solicitar suprimento de fundos para fazer as adaptações. Então doutor, foi nesse sentido que em 2016, em razão da sobra de recursos, foi solicitado à servidora Isadora, em razão do acerto com a servidora Carla. Afirma que não pediu o dinheiro para si, mas para fazer o conserto no Fórum Estadual, em razão da saída do eleitoral. Afirma que as reformas foram realizadas e o magistrado pagou pela obra. (Destaquei).
Da análise do depoimento acima, observa-se que o magistrado confirma que solicitou o saldo do suprimento de fundos das eleições 2016 para a servidora Isadora, contudo ressalta que o valor seria usado para a realização das reformas no prédio do Tribunal de Justiça após a mudança do cartório eleitoral, conforme acertado com a então chefe do cartório, servidora Carla.
A esse respeito, o servidor requisitado Fábio Pires Braga, que trabalhou no Cartório Eleitoral de Afuá de 2008 a 2018 afirmou (IDs. 19439369 e 19439319):
Que não lembra e nem soube que o Dr Erick solicitou o suprimento de fundos de Eleições 2016 à então chefe do cartório; Que em 2016 a servidora Isadora ficou responsável pela administração do suprimento de fundos e que o depoente foi o responsável pelo auxílio alimentação dos mesários e supervisores de local de votação e deu suporte à Isadora na administração e na aplicação do suprimento de fundos; Que em 2016 o Dr. Erick em nenhum momento avocou ou se envolveu na prestação de contas; que as contas foram aprovadas; Que em 2016 o cartório funcionava nas dependências do Fórum Estadual e que eram utilizadas 3 salas, tendo sido necessária adaptações nas salas, com aumento de espaço, para que funcionasse o Cartório Eleitoral, com o custo arcado pela Justiça Eleitoral; Que o Dr. Erick arcou com os custos das readaptações realizadas quando o Cartório Eleitoral saiu do Fórum Estadual; Que a servidora Carla teria se comprometido em nome do TRE de custear as readaptações quando o cartório eleitoral saísse do Fórum, mas ao final não foi arcado pelo TRE, pois quando houve a mudança do Cartório eleitoral a servidora que estava não era mais a Carla, mas a Isadora que não possuía suprimento para fazer essas adaptações; Que não sabe dizer nem presenciou se teve algum desentendimento entre o Dr. Erick e a servidora Isadora por conta dessa circunstância. (Destaquei).
Desta feita, ficou comprovado que houve a solicitação da sobra do valor do suprimento pelo magistrado à servidora, contudo razoavelmente justificada pelo acerto anteriormente realizado entre o magistrado e a anterior chefe do cartório de custeio da reforma do prédio do Fórum Estadual pelo TRE e confirmada pelo servidor requisitado Fábio Pires Braga.
Ademais, a servidora Isadora afirmou que houve a devolução do dinheiro ao Tribunal e teve as suas contas aprovadas.
Isso posto, concluo pela não configuração da conduta elencada no item 6.
DA CONCLUSÃO:
Da análise dos autos, peço vênia ao eminente relator, dr. Rafael Fecury, para acompanhar a divergência levantada pela dra. Carina Bastos Sena e concluir pela infringência do dever funcional elencado no item 3, ou seja, a falta de urbanidade no tratamento com o servidor Alex Adam Ramos de Aquino.
Destarte, verifico que a conduta praticada pelo magistrado viola o preceito legal contido no inciso IV do artigo 35 da LOMAN (Lei Complementar nº 35/1979), bem como no art. 22, caput, do Código de Ética da Magistratura. Transcrevo:
LOMAN
Art. 35 - São deveres do magistrado:
(...).
IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência. (destaquei)
Código de Ética da Magistratura.
Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça.
Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.
O dever de urbanidade fundamenta-se no respeito à dignidade do ser humano. A urbanidade ou polidez precede as boas ações e a elas conduzem e, por isso, constitui uma espécie de proteção da moral, notadamente nas relações de subordinação. Quem pratica a polidez dá garantias de saber respeitar os outros e orientar a sua vida pelas virtudes sociais da tolerância, da justiça e do bem-comum.
A esse respeito, cito comentários ao Código de Ética da Magistratura elaborado pela ENFAM[5]:
A relação do juiz com os servidores das secretarias judiciais não se caracteriza mais com os rigores da subordinação que havia antigamente.
A relação sadia do juiz com seus auxiliares é imprescindível para o êxito do seu trabalho. Sem liderança, o magistrado não consegue motivar sua equipe de servidores.
Ultimamente, as escolas judiciais têm oferecido constantes cursos de gestão de pessoas, no sentido de prepararem tecnicamente o juiz para lidar com seus auxiliares.
A autoridade do juiz perante seus auxiliares não se afirma com gritos e arrogância. O novo conceito de liderança passa pela tolerância e pela desnecessidade de ter que lembrar a todo momento que é uma autoridade para poder ser respeitado. (Destaquei).
A LOMAN, ao proceder à relação típica entre as condutas e as penas, prescreve que a advertência será aplicada “no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo” (art 43[6]), situação em que se enquadra a conduta atribuída ao magistrado Erick no presente PAD.
Diante de todo esse panorama, peço vênia ao eminente relator, dr. Rafael Fecury, e, acompanho a divergência levantada pela dra. Carina Bastos Sena, para concluir por configurado o tratamento não urbano e sem cortesia por parte do magistrado Erick Costa Figueira, no trato com o servidor, constatando configurada a infração contida no inciso IV, do art. 35, da LOMAN c/c o art. 22 do Código de Ética da Magistratura, e, em consequência, aplicar a penalidade mínima de advertência, prevista no inciso I do artigo 42 da LC nº 35/1979[7].
Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento
Presidente
* Este texto não substitui o publicado no DJE TRE-PA, de 14/12/2021.