Resolução n.º 5802

RECURSO ADMINISTRATIVO. FUNÇÃO DE JUIZ ELEITORAL. CONDIÇÕES ESPECIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE TELETRABALHO. INCOMPATIBILIDADE COM O “MUNUS PÚBLICO”. PRESERVAÇÃO INTERESSE PÚBLICO. RECURSO DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA.

Síntese

  1. In casu, o recorrente está exercendo sua profissão de forma remota na sua lotação originária do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, com base na resolução 343/2020 do CNJ.
  2. Alega que, em razão da “necessidade de acompanhamento médico e terapêutico de meu filho, diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista)” necessita do trabalho remoto para também exercer a função de juiz eleitoral na Zona eleitoral.
  3. Aduz boa organização e estruturação da zona.
  4. Junta laudos e portaria de seu deferimento de teletrabalho na Justiça Estadual do Pará.

Tese adotada

  1. O teletrabalho foi regulamentado pelo governo federal brasileiro através de diversas normativas, que incluem instruções normativas e leis específicas que estabelecem as diretrizes para a execução do trabalho remoto. Essas regulamentações visam assegurar a continuidade dos serviços públicos enquanto mantêm a flexibilidade laboral.
  2. Não há qualquer vinculação entre os benefícios concedidos em seu cargo vitalício de juiz de direito no TJPA com a “função de Juiz Eleitoral” que é um “munus público”, temporário e de discricionariedade do Tribunal Regional Eleitoral.
  3. Discute-se que não há previsibilidade legal no âmbito interno do TRE-PA, sobre o exercício da jurisdição de forma remota, e em sentido contrário há regulamentação de que seja exercida ininterruptamente e presencialmente, pela concepção de ser uma “Munus Público”, aos juízes de direito com jurisdição de cada uma das zonas eleitorais em efetivo exercício e, na falta deste, ao seu substituto legal que goze das prerrogativas da magistratura.
  4. Na função de designar juízes eleitorais, os Tribunais Regionais Eleitorais agem de forma discricionária, observando-se a oportunidade e conveniência daquela indicação.
  5. Reforçando a necessidade de atuação presencial dos juízes designados no artigo 34 da lei n. 4737/65.
  6. O ordenamento jurídico sobre a função de juiz eleitoral, tanto judiciais quanto administrativas são incompatíveis com a modalidade de trabalho “home office” ou remota.
  7. Rege também este ato administrativo, o interesse público primário e secundário, não sendo permitido que o direito individual sobreponha o coletivo.
  8. A prestação jurisdicional eleitoral seja efetiva, célere e presencial para se garantir o direito fundamental do cidadão, a dignidade da pessoa e seus direitos políticos.

Conclusão

  1. CONHECIMENTO e NÃO PROVIMENTO do recurso ADMINISTRATIVO, manutenção na íntegra da decisão atacada.

 

RESOLVEM os Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, à unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso administrativo, nos termos do voto da Relatora, a Juíza Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira. Votaram com a Relatora o Juiz Federal José Airton de Aguiar Portela e os Juízes Marcus Alan de Melo Gomes, Rafael Fecury Nogueira e Tiago Nasser Sefer. O Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior não participou do julgamento em razão de a Presidência ser apontada como parte. Presidiu o julgamento o Desembargador José Maria Teixeira do Rosário.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.

Belém, 18 de abril de 2024.

 

Juíza Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira
Relatora

 

 

PODER JUDICIÁRIO 
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO (1299) - 0600058-18.2024.6.14.0000 - Santarém - PARÁ.
RECORRENTE: COSME FERREIRA NETO.
RECORRIDO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ.

 

 

RELATÓRIO

 

A Senhora Juíza Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira: Senhor presidente, trata-se de Recurso Administrativo, impetrado pelo Juiz de Direito COSME FERREIRA NETO (ID 21511735) em face da Decisão da Presidência deste Regional nº 2159699 / 2024 - TRE/PRE/ASPRE, proferida no Processo SEI nº 0002828-34.2024.6.14.8083, que indeferiu o pedido de reconsideração e manteve a decisão de indeferimento do pedido de teletrabalho ao juiz zonal solicitante.

O pedido de reconsideração foi indeferido pela Presidência do TRE-PA (ID 21511737) pelos seguintes fundamentos:

 

1- Havendo previsão regimental, recebo o presente recurso administrativo e MANTENHO integralmente a decisão recorrida (evento 2159699), pelos seus próprios fundamentos.

 

Inconformado com a decisão, o juiz COSME FERREIRA NETO interpôs seu recurso administrativo na própria peça do pedido de reconsideração.

Cabe relatar o resumo do caso: primeiramente, o recorrente está exercendo sua profissão de forma remota na sua lotação originária do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, na 4ª Vara Cível e Empresarial de Santarém, com base na resolução 343/2020 do CNJ.

Alega que, em razão da “necessidade de acompanhamento médico e terapêutico de meu filho Daniel Amorim Ferreira, nascido em 24.06.2018, diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista)” necessita do trabalho remoto para também exercer a função de juiz eleitoral da 83ª Zona eleitoral.

Aduz que “a 83ª Zona Eleitoral está bem organizada e estruturada, sendo possível a realização de audiências virtuais, reuniões online com servidores, atendimento de advogados de forma virtual, a exemplo do que já ocorreu na pandemia. Durante a realização das eleições, não existindo outra opção, este juízo se compromete a comparecer fisicamente nas eleições no primeiro e segundo turno”.

Por fim, instruiu seu pedido com a decisão que lhe deferiu teletrabalho no âmbito da Justiça Estadual (2145516), laudo de exame médico pericial da Junta de Saúde do TJ-PA (2145569), relatório fonoaudiológico (2145571), relatório de avaliação neuropsicológica (2145575) e laudo médico pediátrico (2145577).

É o relatório.

 

VOTO

 

A Senhora Juíza Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira (Relatora): Conforme relatado, a insurgência do recorrente reside, de forma sucinta, no fato de o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, ter indeferido a possibilidade de teletrabalho ao juiz indicado para a função de “juiz eleitoral” da 83ª ZE, argumenta que já está exercendo tal situação em órgão diverso desta justiça especializada, no TJPA.

O recorrente exerce seu cargo de juiz, na 4ª vara cível e empresarial de Santarém, em regime de trabalho remoto, e com base nesse mesmo argumento solicitou o exercício da função de “juiz eleitoral” da 83ª ZE remotamente, para a qual havia sido designado por meio da portaria TRE-PA de nº 22.220/2023.

No entanto, não há qualquer vinculação entre os benefícios concedidos em seu cargo vitalício de juiz de direito no TJPA com a “função de Juiz Eleitoral” que é um “munus público”, temporário e de discricionariedade do Tribunal Regional Eleitoral.

Pela leitura dos autos, verifico, de plano, que as alegações do recorrente não são pertinentes com o interesse público e exercício da jurisdição eleitoral, a qual está vinculada à lei e à constituição federal na escolha dos magistrados que atuarão na Justiça Eleitoral.

O teletrabalho foi regulamentado pelo governo federal brasileiro através de diversas normativas, que incluem instruções normativas e leis específicas que estabelecem as diretrizes para a execução do trabalho remoto. Essas regulamentações visam assegurar a continuidade dos serviços públicos enquanto mantêm a flexibilidade laboral. Critérios de elegibilidade, a necessidade de manter a produtividade e a qualidade do serviço, assim como a segurança da informação, são todos considerados nas diretrizes.

O TRE-PA, também regulamentou a matéria e permitiu aos seus servidores condições especiais de trabalho.

No entanto, o caso em tela, discute-se que não há previsibilidade legal no âmbito interno do TRE-PA, sobre o exercício da jurisdição de forma remota, e em sentido contrário há regulamentação de que seja exercida ininterruptamente e presencialmente, pela concepção de ser uma “Munus Público”, aos juízes de direito com jurisdição de cada uma das zonas eleitorais em efetivo exercício e, na falta deste, ao seu substituto legal que goze das prerrogativas da magistratura.

Nesse sentido, não se confunde com a função pública de juiz de direito para o qual foi aprovado e classificado em concurso público, o qual garante o direito de exercício com o teletrabalho caso se enquadre nos dispositivos internacionais de direitos humanos e resoluções dos Tribunais em que se exerce o cargo de carreira.

Destaco, por oportuno, que o direito líquido e certo do recorrente está vinculado ao cargo de carreira, em que foi aprovado e nomeado, em concurso público, no TJPA, tanto é que o exerce por ser inerente a sua função própria no judiciário estadual.

Na função de designar juízes eleitorais, os Tribunais Regionais Eleitorais agem de forma discricionária, observando-se a oportunidade e conveniência daquela indicação.

O artigo §1º, art. 11 da LC n. 35/79, diz:

 

Art. 11 - Os Juízes de Direito exercem as funções de juízes eleitorais, nos termos da lei.

§ 1º - A lei pode outorgar a outros Juízes competência para funções não decisórias.

 

O código eleitoral dispõe assim:

 

Art. 32. Cabe a jurisdição de cada uma das zonas eleitorais a um juiz de direito em efetivo exercício e, na falta deste, ao seu substituto legal que goze das prerrogativas do art. 95 da Constituição.

Parágrafo único. Onde houver mais de uma vara, o Tribunal Regional designará aquela ou aquelas, a que incumbe o serviço eleitoral.

 

Não há dúvida que o Tribunal Regional Eleitoral decidirá, a conveniência e oportunidade na escolha dos juízes eleitorais de cada zona, na circunscrição territorial dos juízes investidos naquela jurisdição.

Reforçando a necessidade de atuação presencial dos juízes designados no artigo 34 da lei n. 4.737/65:

 

Art. 34. Os juízes despacharão todos os dias na sede da sua zona eleitoral. (grifo nosso).

 

Na lei de inelegibilidade (LC n. 64/90), no artigo 16 temos que:

 

Art. 16. Os prazos a que se referem o art. 3º e seguintes desta lei complementar são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou Cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados.

 

O ordenamento jurídico sobre a função de juiz eleitoral, tanto judiciais quanto administrativas são incompatíveis com a modalidade de trabalho “home office” ou remota.

Rege também este ato administrativo, o interesse público primário e secundário, não sendo permitido que o direito individual sobreponha o coletivo.

Busca-se que a prestação jurisdicional eleitoral seja efetiva, célere e presencial para se garantir o direito fundamental do cidadão, a dignidade da pessoa e seus direitos políticos.

Constata-se que os eleitores, em regra, necessitam de atendimento direto nas dependências dos cartórios eleitorais e ainda nos atos administrativos e judiciais relacionados às eleições correntes e os prazos murais disponibilizadas.

Segundo o Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65) estabelece e normatiza a função do juiz eleitoral de primeira instância, cabendo a este/a magistrado/a, por exemplo, tomar todas as providências para evitar a prática de ilícitos penais durante as eleições, além de processar e julgar os pedidos de registro de candidaturas e os crimes eleitorais que tenham ocorridos na sua jurisdição. Esse/a magistrado/a atuará na sua zona eleitoral na preparação das eleições municipais de 2024 tanto na esfera eleitoral como na administrativa da Justiça Eleitoral onde serão escolhidos/as novos/as prefeitos/as e vereadores/as.

A tarefa, ainda, inclui vasta competência de atribuições como nomear as/os mesários/as, resolver incidentes eleitorais, dividir a zona em seções eleitorais, deferir alistamentos eleitoral, julgar crimes eleitorais cometidos por candidatos/as a prefeito/a e vereador/a e aprovar candidatura, decidir sobre propaganda eleitoral irregular e outros, realizar audiência de custódia em caso de infrações penais eleitorais.

O/A juiz/a eleitoral na sua zona está próximo do eleitorado e dos/as candidatos/as. Ele/a Preside as eleições municipais e julga as causas envolvendo direito eleitoral na 1ª instância. Assim, deve residir na comarca a qual foi designado.

Pois bem. Prosseguindo na análise do caso, a questão recai ainda, na existência de outros magistrados na mesma circunscrição que exercem dentro do que se determina e espera da justiça eleitoral, sem qualquer impedimento para o “munus público” em sua plenitude e de forma presencial, manifestando-se no interesse público da coletividade e alinhando-se ao poder discricionário da administração pública.

Nesse sentido, observo que a decisão do Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente, ponderou, de forma bastante ampla e acertada todas as insurgências levantadas no bojo do pedido de reconsideração apresentado pelo recorrente, não havendo justificativa plausível para deferir os pedidos dos recursos e alterar a decisão atacada.

Sendo assim, traços breves considerações aos argumentos apresentados e já enfrentados na decisão da Presidência, apenas com o intuito de corroborar com o entendimento estabelecido.

Friso que, em obediência aos princípios que regem a Administração Pública, as decisões devem buscar a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada, uma vez que a Administração atua voltada aos interesses da coletividade e não aos interesses particulares.

Quanto ao ponto, a decisão da Presidência muito bem pontuou que:

 

Com essas considerações, DECIDO: 1) INDEFERIR o pedido do nobre juiz ( 2145149) para o exercício não presencial da função eleitoral, pelas razões expostas, com fulcro no art. 1º da Resolução CNJ n. 343/2020 (parte final) com a redação dada pela Res. CNJ 481/2022) c/c o art. 34 da Lei n.º 4737/1965, o art. 16 da Lei Complementar n.º 64/1990. 2) Nessa esteira, dispenso da atribuição ELEITORAL à frente da 83ª Zona Eleitoral - Santarém o juiz COSME FERREIRA NETO e DETERMINO à SGP tramitar indicação de magistrado sem impedimentos na sequência do rodízio de juízes naquela circunscrição para posterior designação de titular para novo biênio na ZE. 3) A SGP para apresentar proposição de alteração na norma local, a fim de especificar que a serviço eleitoral de primeiro grau, por ser preferencial, ininterrupto e presidido pelo magistrado, presencialmente não poderá ser exercido ordinariamente de forma remota. 

 

Portanto, feito o sopesamento das circunstâncias que envolvem o caso, bem como das consequências advindas da decisão a ser firmada, no esteio das normas e dispositivos aplicáveis à matéria, bem como em função dos princípios reitores da Administração Pública, não vejo razões e fundamentos minimamente plausíveis para o acolhimento do pedido formulado no recurso interposto.

Ante o exposto, com essas considerações, VOTO pelo CONHECIMENTO e NÃO PROVIMENTO do recurso ADMINISTRATIVO e, por consequência, pela manutenção na íntegra da decisão atacada.

É o voto.

Belém, 18 de abril de 2024.

 

Juíza Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira
Relatora

* Este texto não substitui o publicado no DJE TRE-PA, de 25/04/2024