Resolução n.º 5773
RECURSO ADMINISTRATIVO. FUNÇÃO COMISSIONADA. EXONERAÇÃO. PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO PREPARATÓRIO. ACESSO AOS AUTOS. JÁ CONCEDIDO. JULGAMENTO PREJUDICADO. RETORNO À FUNÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. NÃO CONFIGURADA. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARÁTER AD NUTUM DO CARGO/FUNÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Das decisões de indeferimento da presidência do TRE-PA em processo administrativo, cabe recurso administrativo ao pleno do tribunal, consoante art. 24, § 1°, do RI-TRE/PA.
2. Deve-se julgar prejudicado o pedido feito em sede de recurso administrativo quando já houve deferimento anterior pela presidência do tribunal.
3. A teoria dos motivos determinantes não limita a discricionariedade do ato administrativo, mas tão somente vincula sua validade à existência dos motivos que lhe deram causa.
4. Não há que se falar em motivação determinante do ato de exoneração quando esse não se vincula à existência de procedimento investigativo, mas representa verdadeira liberalidade da administração, própria dos cargos/funções de caráter ad nutum.
5. Recurso conhecido e desprovido.
RESOLVEM os Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, à unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso administrativo, nos termos do voto da Relatora, Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna. Votaram com a Relatora a Desembargadora Maria Filomena de Almeida Buarque e os Juízes Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira, Marcus Alan de Melo Gomes, Rafael Fecury Nogueira e José Maria Rodrigues Alves Júnior. Ausentou-se ocasionalmente o Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior. Presidiu o julgamento a Desembargadora Maria Filomena de Almeida Buarque.
Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.
Belém, 18 de abril de 2023.
Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ
RECURSO ADMINISTRATIVO (1299) - 0600031-69.2023.6.14.0000 - Belém - PARÁ.
RECORRENTE: JORGE EXPEDITO PINTO FONSECA.
RECORRIDO(A): PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ.
RELATÓRIO
A Senhora Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna: Trata-se de recurso administrativo interposto por Jorge Expedito Pinto Fonseca contra decisão proferida pelo Sr. Presidente do TRE/PA, Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior, nos autos do processo SEI n° 0014512-79.2022.6.14.8000, que indeferiu o pedido de revogação da Portaria n.° 21654/2022 TRE/PREJDG/SGP/COPES e manteve o recorrente com lotação em uma das zonas eleitorais de Belém/PA.
Em requerimento administrativo (ID 21333155, p. 1-3), Jorge Expedito da Fonseca alegou, em síntese, que foi afastado de seu setor de trabalho sob a justificativa de que haveria uma denúncia contra ela na Ouvidoria da Mulher. Requereu o acesso integral a qualquer procedimento em trâmite na Ouvidoria da Mulher no qual ele fosse parte. Requereu, por fim, a revogação da Portaria n.° 21654/2022 TRE/PREJDG/SGP/COPES.
Em decisão de ID 21333155, p. 10-18, a então presidente deste egrégio tribunal, a Sra. Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento, indeferiu os pedido de acesso a procedimento contra ele em trâmite na Ouvidoria da Mulher, sob a justificativa de que se trataria de Procedimento de Investigação Preliminar - PIP, o qual seria um procedimento administrativo preparatório reservado de rito inquisitorial, sem a necessidade, portanto, de que fosse dado conhecimento da abertura do procedimento ao servidor investigado.
Em relação à solicitação de revogação da Portaria n° 21654, afirmou que a questão seria “devidamente tratada nos autos do Procedimento de Investigação Preliminar (...) e oportunamente comunicada ao servidor após o julgamento pela presidência”.
Em decisão n° 1787217/2022 TRE/PRE/ASPRE (ID 21333155, p. 29-30), nos autos do PIP, a Sra. Presidente determinou o arquivamento da investigação preliminar, acolhendo manifestação do membro da Comissão Permanente de Processo Disciplinar - CPPD. No entanto, manteve a dispensa do servidor da função de Assistente I da STD/CODES/SGP, a qual havia sido prolatada no Despacho n.° 1724278/2022 - TRE/PRE/ASPRE, prolatado nos autos do Proc. SEI n.° 0012739-96.2022.6.14.8000, nos seguintes termos:
(...) ANTE O EXPOSTO, considerando as informações constantes no Despacho n.º 1720539/2022 - TRE/PRE/OM e na denúncia ao evento 1720979, DETERMINO:
- I) com amparo no art. 143 da Lei n.º 8.112/90 e na jurisprudência do STF[1], a abertura de INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR, em autos apartados, de caráter sigiloso, a fim de recolher provas de materialidade e autoria acerca dos fatos apontados no Proc. SEI n.º 0012739-96.2022.6.14.8000 aptos a respaldar futura decisão desta Presidência quanto à eventual instauração de processo disciplinar, devendo ser conduzida por 01 (um) membro da Comissão Permanente de Processo Disciplinar – CPPD, constituída pela Portaria n.º 18.839/2019, e alterações seguintes, o qual disporá do prazo de 30 (trinta) dias para a conclusão dos trabalhos;
- II) a DISPENSA do servidor JORGE EXPEDITO PINTO FONSECA da função de Assistente I da STD, até a conclusão do presente processo, ocasião em que haverá uma nova análise por esta Presidência; e
III) a lotação provisória do servidor JORGE EXPEDITO PINTO FONSECA em uma das zonas eleitorais de Belém, a ser definida pela Secretaria de Gestão de Pessoas.
Em recurso administrativo (ID 21333155, p. 25-28), Jorge Expedito Pinto Fonseca alegou que a discricionariedade dos atos administrativos seria limitada pela “teoria dos motivos determinantes”. Assim, uma vez que a dispensa do servidor teria sido motivada pela existência de PIP no qual o recorrente figurava como parte, a conclusão do processo faria com que não mais existissem os motivos que determinaram a sua exoneração, de modo que o ato deveria ser anulado, com a consequente reintegração do servidor.
Desse modo, requereu a revogação da Portaria n° 21654/2022 TRE/PREJDG/SGP/COPES e o acesso aos autos do processo SEI n° 0013572-17.2022.6.14.8000.
O Presidente desta Corte Eleitoral, o Sr. Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior, deferiu o pedido do requerente de acesso integral aos processos SEI n° 0012739-96.2022.6.14.8000 e 0013572-17.2022.6.14.8000, mas manteve a decisão n° 1787217/2022 TRE/PRE/ASPRE no que tange ao indeferimento do pedido de revogação da Portaria n° 21654/2022 TRE/PREJDG/SGP/COPES, por entender ser de livre nomeação e exoneração o exercício de cargo ou função de confiança, sem depender de qualquer justificativa.
No mais, considerou a efetiva mudança de gestão do tribunal, em que se procedeu à reorganização do quadro de pessoal, e reputou oportuno manter a exoneração do servidor requisitado.
Nos termos do art. 24, § 1° do Regimento Interno do TRE/PA, Jorge Expedito Pinto Fonseca recorreu (ID 21333154) da decisão da presidência, nos mesmo termos do recurso anteriormente interposto.
A Procuradoria Regional Eleitoral (ID 21368306) pugnou pelo desprovimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna (Relatora): O recurso é tempestivo, uma vez que foi interposto dentro do prazo de 30 dias previsto no art. 24, § 1°, do Regimento Interno TRE/PA, e é subscrito por profissional habilitado, cuja procuração se encontra no ID 21333155, p. 04. Por esse motivo, merece ser conhecido.
O apelo centra-se em duas questões: o acesso integral ao processo SEI n° 0013572-17.2022.6.14.8000 e a revogação da Portaria n° 21654/2022 TRE/PREJDG/SGP/COPES.
- Do acesso integral ao processo SEI n° 0013572-17.2022.6.14.8000.
O recorrente requer o acesso total ao Procedimento Administrativo Preparatório - PIP, por entender ser direito do servidor ter conhecimento dos autos.
Ocorre que esse pedido já foi deferido pelo Sr. Presidente deste TRE na Decisão nº 1803852 / 2023 - TRE/PRE/ASPRE. Dessa forma, julgo prejudicado o presente pedido.
- Da revogação da Portaria n° 21654/2022 TRE/PREJDG/SGP/COPES.
Jorge Expedito Pinto Fonseca alega, também, que a discricionariedade dos atos administrativos seria limitada pela “teoria dos motivos determinantes”. Assim, uma vez que a dispensa do servidor teria sido motivada pela existência de PIP no qual o recorrente figurava como parte, a conclusão do processo faria com que não mais existissem os motivos que determinaram a sua exoneração, de modo que o ato deveria ser anulado, com a consequente reintegração do servidor.
Sobre esse ponto, importa esclarecer, primeiramente, a natureza jurídica do ato administrativo que concede o provimento em cargo ou função comissionada.
Tanto na Decisão nº 1803852 / 2023 - TRE/PRE/ASPRE, do Sr. Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior, quanto na Decisão n° 1787217/2022 TRE/PRE/ASPRE, da Sra. Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento, consignou-se a natureza discricionária da administração para o exercício desse ato, consoante se observa no seguinte trecho extraído da decisão recorrida:
(...) consoante já explicitado na Decisão n.º 1787342/2022 - TRE/PRE/ASPRE proferida nestes autos, é indubitável que o exercício de cargo em comissão ou função de confiança é de livre nomeação ou exoneração, sendo esta última ad nutum, ou seja, podem acontecer de uma hora para outra sem qualquer tipo de justificativa, podendo a autoridade nomeante exonerar a pessoa do cargo ou função a qualquer momento (Decisão nº 1803852 / 2023 - TRE/PRE/ASPRE).
A discricionariedade que caracteriza tal ato é exceção à natureza do provimento em cargo ou função pública. A regra, prevista no art. 37, II, da CF, é a investidura após a aprovação prévia em concurso público.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...).
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
A mesma discricionariedade se faz presente na investidura para as funções gratificadas, as quais também são chamadas de “funções de confiança”.
Ao abordar o âmbito da aplicação da discricionariedade dos atos administrativos, a jurista Maria Di Pietro explica que esse poder incide sobre duas de suas características: no motivo e no conteúdo. Nas palavras da doutrinadora, o motivo será discricionário quando:
a lei não o definir, deixando-o ao inteiro critério da Administração; é o que ocorre na exoneração ex officio do funcionário nomeado para cargo de provimento em comissão (exoneração ad nutum); não há qualquer motivo previsto na lei para justificar a prática do ato
Observemos que a principal representação da atuação discricionária da administração se dá, justamente, na exoneração ex officio de funcionário nomeado a cargo comissionado. A lei não define qualquer motivo justificador do ato, esse ocorre dentro da margem de liberdade da administração.
Trata-se de ato ad nutum, isto é, revogável pela mera vontade da administração, de forma unilateral. Di Pietro explica que essa atuação advém do poder discricionário da administração, a qual ocorre nos casos em que a lei deixa certa margem de atuação - liberdade - de decisão diante do caso concreto (PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo, 2022).
Vista a liberalidade do poder público na exoneração de servidores comissionados, passo a análise da “teoria dos motivos determinantes” trazida pelo recorrente.
Em seu livro “Direito Administrativo”, Di Pietro conceitua essa teoria da seguinte forma:
a teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros. (PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo, 2022).
Em princípio, é válido comentar que tal teoria não limita a discricionariedade do ato administrativo, mas tão somente vincula sua validade à existência dos motivos que lhe deram causa.
In casu, a exoneração de Jorge Expedito Pinto Fonseca foi publicada por meio da Portaria n° 21654/2022 TRE/PREJDG/SGP/COPES, que possui a seguinte redação (in verbis):
A PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ, no uso de suas atribuições legais e regimentais, e à vista da decisão exarada no Processo SEI no 0012739-96.2022.6.14.8000, RESOLVE:
Art. 1o DISPENSAR o servidor cedido JORGE EXPEDITO PINTO FONSECA da Função Comissionada de Assistente I, nível FC-1, da Secretaria de Gestão de Pessoas, com fulcro no art. 35, I, da Lei no 8.112/1990.
Art. 2o Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.
A motivação vinculante da exoneração teria sido firmada no Despacho n° 1724278/2022-TRE/PREJASPRE, nos autos do processo n.º 0012739-96.2022.6.14.8000, o qual aqui colaciono:
(...) ANTE O EXPOSTO, considerando as informações constantes no Despacho n.º 1720539/2022 - TRE/PRE/OM e na denúncia ao evento 1720979, DETERMINO:
- I) com amparo no art. 143 da Lei n.º 8.112/90 e na jurisprudência do STF[1], a abertura de INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR, em autos apartados, de caráter sigiloso, a fim de recolher provas de materialidade e autoria acerca dos fatos apontados no Proc. SEI n.º 0012739-96.2022.6.14.8000 aptos a respaldar futura decisão desta Presidência quanto à eventual instauração de processo disciplinar, devendo ser conduzida por 01 (um) membro da Comissão Permanente de Processo Disciplinar – CPPD, constituída pela Portaria n.º 18.839/2019, e alterações seguintes, o qual disporá do prazo de 30 (trinta) dias para a conclusão dos trabalhos;
- II) a DISPENSA do servidor JORGE EXPEDITO PINTO FONSECA da função de Assistente I da STD, até a conclusão do presente processo, ocasião em que haverá uma nova análise por esta Presidência; e
III) a lotação provisória do servidor JORGE EXPEDITO PINTO FONSECA em uma das zonas eleitorais de Belém, a ser definida pela Secretaria de Gestão de Pessoas. (Grifo nosso)
Observemos que a alegada motivação da dispensa se deu com o termo para sua validade, até a conclusão do processo, momento em que haveria uma nova análise pela presidência.
Ocorre que ao fim do procedimento investigatório foi, de fato, exarada nova decisão (decisão n° 1787217/2022 TRE/PRE/ASPRE), a qual, com base na discricionariedade que rege o exercício de nomeação e exoneração de servidores comissionados, determinou a manutenção da dispensa do servidor Jorge Expedito Pinto Fonseca. Vejamos:
Por todo o exposto, constato não haver, nos fatos narrados no presente processo, elementos aptos à instauração de Processo Administrativo Disciplinar, razão pela qual ACOLHO a manifestação do membro da Comissão Permanente de Processo Disciplinar CPPD, ao evento 1750736, para DETERMINAR o ARQUIVAMENTO da presente Investigação Preliminar.
Entrementes, MANTENHO o Despacho n.° 1724278/2022 - TRE/PRE/ASPRE, prolatado nos autos do Proc. SEI n.° 0012739-96.2022.6.14.8000, que determinou a DISPENSA do servidor JORGE EXPEDITO PINTO FONSECA da função de Assistente I da STD/CODES/SGP, bem como seu reenquadramento para o instituto da requisição, com lotação em uma das zonas eleitorais de Belém.
Ou seja, embora a primeira decisão que determinou a exoneração do servidor tenha se dado de forma vinculada ao trâmite do PIP, a decisão de n° 1787217/2022 TRE/PRE/ASPRE não se vinculou à existência de tal procedimento. Trata-se de verdadeiro ato discricionário da administração pública.
Não há que se falar, portanto, em “vinculação da dispensa à existência do PIP”, uma vez que a decisão pela manutenção do afastamento não foi motivada por isso, mas sim representa a liberdade na edição de ato administrativo.
Ademais, o atual Presidente deste TRE/PA, o Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior, ao pontuar sobre o caráter ad nutum de tal cargo/função e considerando o contexto de mudança de gestão no regional, reputou oportuno manter a exoneração. O que o fez de forma legal, haja vista a discricionariedade que regula tal ato administrativo.
Diante do exposto, conheço do recurso e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter incólume a decisão recorrida.
É o voto.
Belém, 18 de abril de 2023.
Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna
Relatora
* Este texto não substitui o publicado no DJE TRE-PA, de 05/05/2023