Resolução nº 5830

ELEIÇÕES 2024. PETIÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE CONSULTA POPULAR. PLEBISCITO. EMANCIPAÇÃO. MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 14, § 12 E ART. 18, § 4 CRFB/88. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR FEDERAL. PRECEDENTES TSE. NÃO CONHECIMENTO.

I. CASO EM EXAME

1. Trata-se de pedido de consulta popular, nos termos do artigo 14, § 12 da CF/88, versando sobre a emancipação da área do distrito de FERNANDES BELO, a ser realizado concomitantemente com as eleições municipais de outubro de 2024.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. A discussão em pauta consiste em definir a possibilidade de realização de consultas populares que tratem a respeito da criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios, nos termos do art. 18, § 4º da CF/88, considerando a ausência de Lei Complementar regulamentadora.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A construção histórica e constitucional enfrentada pelo ordenamento jurídico nacional demonstra as razões que levaram o constituinte de 1988 a esmiuçar normas gerais para o regimento do federalismo através do arranjo territorial entre os entes federados.

4. As consultas populares sobre questões locais somente serão realizadas pela Justiça Eleitoral após aprovação pelas Câmaras Municipais e encaminhadas até 90 (noventa) dias antes da data das eleições.

5. Requerimento de realização de consulta plebiscitária não pode ser deferido, porque enquanto não editada a Lei Complementar prevista do § 4º do artigo 18 da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral não deve realizar plebiscitos para criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios. Precedentes do TSE e do TRE-PA.

IV. DISPOSITIVO E TESE

6. Pedido não conhecido.

Tese de julgamento: “1. Não é possível conhecer do pedido de realização de consulta plebiscitária para criação, fusão, incorporação ou desmembramento de municípios até que editada norma federal regulamentadora do art. 18, § 4º da CF/88.”

 

RESOLVEM os Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, à unanimidade, não conhecer do pedido, nos termos do voto do Relator, o Juiz Tiago Nasser Sefer. Votaram com o Relator o Desembargador José Maria Teixeira do Rosário, o Juiz Federal José Airton de Aguiar Portela e os Juízes Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira, Marcus Alan de Melo Gomes e Rafael Fecury Nogueira. Presidiu o julgamento o Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.

Belém, 2 de setembro de 2024.

Juiz Tiago Nasser Sefer
Relator

 

 

PODER JUDICIÁRIO 
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ 

 

PETIÇÃO CÍVEL (241) - 0600171-69.2024.6.14.0000 - Viseu - PARÁ. 
INTERESSADO(A): CÂMARA MUNICIPAL DE VISEU.

 

RELATÓRIO

 

O Senhor Juiz Tiago Nasser Sefer: Cuidam os autos de requerimento (Ofício nº 033, de id 21555336) subscrito pelo diretor administrativo da Câmara de Vereadores de Viseu, por meio do qual, encaminha o Decreto Legislativo nº 002/2024, que autoriza uma Consulta Popular dirigida à população de Viseu versando sobre a emancipação da área do distrito de FERNANDES BELO, a ser realizado concomitantemente com as eleições municipais de outubro de 2024.

A Presidente em exercício do TRE/PA determinou a autuação e distribuição do feito a um dos Juízes Membros do Tribunal, para fins do disposto no art. 23, inciso X, do RI do TRE/PA (id 21555336)

A Procuradoria Regional Eleitoral (id 21557965) manifestou-se pela não conhecimento do pedido de consulta plebiscitária e, no mérito, pelo seu indeferimento.

É o relatório.

 

VOTO

 

O Senhor Juiz Tiago Nasser Sefer (Relator): O art. 18, § 4º da Constituição Federal dispõe expressamente acerca da possibilidade de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios no Estado Brasileiro, que dependerá de lei estadual, durante período determinado por Lei Complementar Federal e dependerá de consulta prévia, por meio de plebiscito dos munícipes envolvidos. Esse procedimento apenas poderá ocorrer após divulgação de estudos de viabilidade municipal, que deverão ser apresentados e publicados em forma da lei.

Prima facie, é de suma relevância ao debate que se pretende instaurar uma análise do contexto geral em torno do que se entende pelo princípio do federalismo brasileiro desenhado pela Constituição de 1988. Para isso, a construção histórica e constitucional enfrentada pelo ordenamento jurídico nacional demonstra as razões que levaram o constituinte de 1988 a esmiuçar normas gerais para o regimento do federalismo através do arranjo territorial entre os entes federados.

Como a solidariedade e cooperação entre os entes federativos deve ter como foco a proteção da dignidade da pessoa humana, mediante o dever de redução das desigualdades sociais e regionais, ao mesmo tempo que preza pelo desenvolvimento nacional, o texto constitucional atribuiu autonomia aos entes federados por meio da repartição de competências.

Pois bem.

Ao analisar esse contexto fático, não vislumbro possibilidade legal para que seja realizada a consulta popular pugnada pela associação. Explico.

O Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução TSE nº 23.385/2012 estabelece as diretrizes à Justiça Eleitoral quanto aos aspectos procedimentais a serem atendidos na Consulta. Destaco:

Art. 5º Os tribunais eleitorais aprovarão instruções complementares para a realização de consulta popular e o respectivo calendário eleitoral, observado o disposto nesta resolução.

§ 1º As instruções de que trata o caput deste artigo deverão ser expedidas até 90 (noventa) dias antes da realização do primeiro turno das eleições que será concomitante com a consulta popular.

§2º Nenhuma consulta popular poderá ser convocada após o prazo de que trata o § 1º deste artigo.

 

O artigo 14, § 12 da CRFB/88, incluído pela EC 111/21, prevê que serão realizadas, de forma concomitante às eleições municipais, as consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas câmaras municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 dias antes da data do pleito, in verbis:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

(...)

$ 12 Serão realizadas concomitantemente às eleições municipais as consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 (noventa) dias antes da data das eleições, observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos.

 

No âmbito estadual, a Constituição do Estado do Pará, dispõe que:

Art. 83. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

 

Acerca da matéria pleiteada pela entidade, o TSE também já firmou entendimento de que, a partir de 31 de dezembro de 2006, não é mais possível que seja feita a alteração de municípios até a edição de Lei Complementar Federal que discipline o tema, vejamos:

PLEBISCITO. DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIO. HOMOLOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MORA LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL.

  1. O § 4º do art. 18 da Constituição condiciona a lei estadual de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Município que venha a ser publicada após 31 de dezembro de 2006 a três requisitos cumulativos, dentre os quais o cumprimento de prazo estipulado em lei complementar federal, cuja mora legislativa já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
  2. Não se justifica a realização de gastos e dispêndio de recursos com consulta popular que, pelo não advento da lei complementar federal, não poderia alcançar seu fim último em razão da inconstitucionalidade de eventual lei estadual de criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Município. Assim, enquanto não editada a lei complementar prevista no § 4º do art. 18 da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral não deve realizar plebiscitos para criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios.
  3. Inocorrência de gasto extra no caso concreto, em razão do plebiscito ter sido realizado juntamente com as eleições. 4. Pedido de homologação negado, por unanimidade.

(Processo Administrativo nº 2745, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 168, Página 81).

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO. HOMOLOGAÇÃO. RESULTADO FINAL. CONSULTA PLEBISCITÁRIA. TRE/PA. DESMEMBRAMENTO E CRIAÇÃO DE NOVO MUNICÍPIO. EXIGÊNCIA. EDIÇÃO. LEI COMPLEMENTAR FEDERAL. ART. 18, § 4º, DA CF. PRESSUPOSTO INEXISTENTE. INDEFERIDO O PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO.

  1. Ao TSE compete verificar o cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 9.709/1998 e pela Res.–TSE nº 23.385/2012 para fins de homologação de resultado de consulta plebiscitária
  2. Não se pode ignorar, no caso concreto, o comando do art. 18, § 4º, da CF, com redação dada pela EC nº 15/1996, que exige, para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios, a edição de lei complementar federal – no caso, ainda hoje não existente.
  3. Diante da inércia do Congresso Nacional, o presente pedido de homologação deve ser indeferido, nos exatos termos da jurisprudência já firmada por esta Corte Superior acerca da matéria, mormente se considerada a possibilidade de deturpação da vontade popular expressada na consulta plebiscitária acerca do desmembramento da área distrital de Moraes de Almeida do Município de Itaituba/PA, caso o pedido venha a ser deferido sob a condição de edição futura do referido normativo federal.
  4. Indeferido o pedido de homologação.

(Processo Administrativo nº 060042666, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 97, Data 28/05/2021, Página 0).

 

Nesse sentido, este Regional decidiu de modo similar:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO Nº 5.655/2020. CONSULTA PLEBISCITÁRIA PARA EMANCIPAÇÃO DOS DISTRITOS DE CASTELO DOS SONHOS E CACHOEIRA DA SERRA DO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA. CONSULTA. EXIGÊNCIA. EDIÇÃO. LEI COMPLEMENTAR FEDERAL. ARTIGO 18, § 4º, DA CF. PRESSUPOSTO INEXISTENTE. CONCESSÃO DA ORDEM. PRECEDENTES.

  1. Em que pese a norma impugnada vise tão somente a realização de consulta plebiscitária, não se pode ignorar, no caso concreto, o comando do art. 18, § 4º, da CF, com redação dada pela EC nº 15/1996, que exige, para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios, a edição de lei complementar federal, ainda não existente.
  2. É firme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que enquanto não editada a Lei Federal prevista no artigo 18 da Carta da República, revela-se imprópria a realização de plebiscito visando a definir criação, incorporação, fusão e desmembramento de município, pois se justifica a realização de gastos e dispêndio de recursos com consulta popular que, pelo não advento da referida norma complementar, não poderia alcançar seu fim último que a criação, incorporação, fusão ou desmembramento de município.
  3. Ademais, diante da inércia do Congresso Nacional, o TSE vem indeferindo os pedidos de homologação de consulta plebiscitária, mormente se considerada a possibilidade de deturpação da vontade popular, caso o pedido venha a ser deferido sob a condição de edição futura do referido normativo federal.
  4. Mandado de segurança confirmado para anulação da Resolução TRE/PA nº 5.655/2020. (Mandado de Segurança nº 060001576, Acórdão de , Relator(a) Des. JUIZ DIOGO SEIXAS CONDURÚ, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 189, Data 30/09/2021, Página 21).

PETIÇÃO. PLEBISCITO. DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIO. HOMOLOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MORA LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL. ELEIÇÃO GERAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEFERIMENTO.

  1. Pedido de realização de consulta plebiscitária não pode ser deferido, porque enquanto não editada a Lei Complementar prevista do § 4º do artigo 18 da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral não deve realizar plebiscitos para criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios, bem como, pelo disposto no § 12 do mesmo artigo 14 da CRFB, não se poderá realizar plebiscito sobre questão municipal nesta eleição, que será geral.
  2. Petição indeferida. (TRE-PA - PET: 06001428720226140000 MARABÁ - PA, Relator: Des. CARINA CÁTIA BASTOS DE SENNA, Data de Julgamento: 26/07/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 148, Data 09/08/2022, Página 90).

 

Como demonstrado, a formação de municípios é matéria complexa, que depende de lei complementar que regulamente o artigo 18, § 4º, da Constituição Federal. Com o advento da EC 15/1996, que deu nova redação ao art. 18, § 4°, CF, houve modificação nos requisitos constitucionais para a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, passando a exigir a definição, por lei complementar federal, do período em que poderão ocorrer, e a apresentação e publicação, na forma da lei, dos Estudos de Viabilidade Municipal, os quais deverão dar o necessário embasamento, sob diferentes perspectivas, à decisão da população, manifesta em plebiscito.

Sendo assim, enquanto não editada a lei complementar prevista no § 4º do artigo 18 da CRFB, a Justiça Eleitoral não deve realizar plebiscitos para criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios.

Desse modo, o pedido de realização de consulta plebiscitária para a criação do município de Fernandes Belo, autorizado pela Câmara Municipal de Viseu, está em desacordo com a Constituição Federal e com a jurisprudência do TSE e deste Regional, conforme citado acima.

Mediante o exposto, com fulcro no art. 18, V da CRFB, e na esteira do parecer ministerial VOTO pelo NÃO CONHECIMENTO do pedido de realização de consulta plebiscitária, autorizado pela Câmara Municipal de Viseu, para a criação do município de Fernandes Belo, por ausência de atendimento a requisitos constitucionais.

É o voto.

Belém, 2 de setembro de 2024. 

Juiz Tiago Nasser Sefer
Relator

*Este texto não substitui o publicado no DJE TRE-PA de 09/09/2024

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