Resolução n.º 5715

CONSULTA ELEITORAL. SECRETÁRIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE. LEGITIMIDADE. PRESENTES OS DEMAIS REQUISITOS DO ARTIGO 30, VIII, DO CÓDIGO ELEITORAL. DOAÇÃO DE MADEIRAS A PROGRAMAS EXECUTADOS POR ÓRGÃOS PÚBLICOS ESTADUAIS EM ANO ELEITORAL. PRELIMINAR. CONSULTA NÃO CONHECIDA.

1. Indagação: há possibilidade, dentro da interpretação deste Tribunal Regional Eleitoral, de doação de madeiras para fins de suprir demandas de programas que não possuem repercussão eleitoral, para órgãos públicos Estaduais, mesmo estando em curso o ano eleitoral, a exemplo de doação para presídios e instituições públicas de ensino. Pois, consoante o disposto no §10 do artigo 73 da Lei Federal n° 9.504/97, via de regra, é proibida a doação estando em curso o ano eleitoral, excepcionadas as hipóteses legalmente previstas, quais sejam, os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
2.Compete privativamente aos Tribunais Regionais responder sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político.
3. Não cabe resposta a questionamento formulado com evidências de caso concreto, pois o caráter abstrato é necessário para o conhecimento da consulta.
4. Consulta não conhecida.

 

RESOLVEM os Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, por maioria, não conhecer da consulta, nos termos do voto do Juiz Álvaro José Norat de Vasconcelos, que foi acompanhado pela Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna e pelo Juiz Edmar Silva Pereira. Vencidos o Relator e o Juiz Diogo Seixas Condurú. Ausentou-se ocasionalmente o Desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior. Presidiu o julgamento a Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.

Belém, 5 de abril de 2022.


Juiz Álvaro José Norat de Vasconcelos 
Relator Designado

CONSULTA (11551) nº: 0600050-12.2022.6.14.0000.
CONSULENTE: ESTADO DO PARÁ. 

RELATÓRIO 

O Senhor Juiz Rafael Fecury Nogueira (Relator Originário): Cuidam os autos de consulta eleitoral formulada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) perante este E. TRE-PA.

O objeto da consulta é a possibilidade de, em ano eleitoral, ser realizada a doação de madeira para outros órgãos públicos estaduais a fim de suprir as necessidades de programas sem repercussão eleitoral, tais como escolas e presídios, sem que se incorra em violação ao art. 73, § 10, da Lei das Eleições, o qual veda a doação de bens, valores ou benefícios pela administração pública em ano eleitoral, excetuados os casos previstos no diploma, quais sejam o estado de calamidade pública, estado de emergência ou de programa sociais previstos em lei orçamentária anterior.

Assim, deseja saber o consulente se a doação de madeira a outros órgãos da administração pública estadual se amoldam são enquadradas pelo artigo como casos de conduta vedada ou, inversamente, se se trataria de prática regular pelos administradores públicos.

A Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, posiciona-se pelo conhecimento da consulta e por sua resposta no sentido de afirmar que não haveria óbice à referida doação desde que houvesse, em espécie, alguma das três exceções em lei assentadas.

É o relatório.

VOTO

O Senhor Juiz Rafael Fecury Nogueira (Relator Originário): Verifico que a consulta em exame foi proposta por autoridade pública competente, versa sobre matéria eleitoral e foi formulada em abstrato, conforme preconiza o art. 30, VIII, do Código Eleitoral, pelo que a conheço e prossigo ao exame de seu mérito.

Em termos exatos, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade deseja saber se:

há possibilidade, dentro da interpretação deste Tribunal Regional Eleitoral, de doação de madeiras para fins de suprir demandas de programas que não possuem repercussão eleitoral, para órgãos públicos Estaduais, mesmo estando em curso o ano eleitoral, a exemplo de doação para presídios e instituições públicas de ensino. Pois, consoante o disposto no §10, do art. 73 da Lei Federal n° 9.504/97, via de regra, é proibida a doação estando em curso o ano eleitoral, excepcionadas as hipóteses legalmente previstas, quais sejam, os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

O art. 73, §10, tomado de base para a Consulta, por sua vez, possui a seguinte redação:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

§10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006).

 A partir da leitura do dispositivo conjuntamente com o texto consulta, verifica-se que três respostas possíveis se apresentam:

  1. ou a consulta será respondida negativamente no sentido de que não há possibilidade de se realizar a transferência mencionada sem que se pratique a conduta vedada, haja vista não se encaixar em nenhuma das três exceções do parágrafo dez;
  2. poderá, alternativamente, ser respondida positivamente caso, como bem expõe o parecer ministerial, seja enquadrada a referida doação em alguma das hipóteses supra referidas em que ela escapa à ilegalidade;
  3. por fim, é possível que se entenda que a hipótese trazida pela consulta sequer se amolda ao conceito de doação no que concerne à formulação do § 10, não havendo, portanto, óbice por esse dispositivo ao ato e devendo, por isso, ser respondida afirmativamente a consulta.

Nota-se que, por não ter sido indicado no corpo do enunciado da consulta quem exatamente seria o doador da madeira, a resposta variará conforme se der sua determinação. No caso de um particular doando para administração pública, tal proibição não existirá pois se trata de norma destinada exclusivamente à administração pública. Todavia, caso quem transfira esse patrimônio seja algum ente da administração, será necessário um olhar mais detido.

Em primeiro lugar, cumpre definir doação na esteira do art. 538 do Código Civil, a saber como: o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Dessa forma, a doação possuirá sempre dois polos que deverão ser compostos por duas pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas, sendo um denominado doador e o outro donatário. Ergo, não é possível que alguém doe seu patrimônio a si mesmo.

Destarte, quando o art. 73, § 10, fala de doação pela administração pública, ele naturalmente se refere a casos nos quais uma pessoa jurídica de direito público, um componente da administração pública que possui necessariamente personalidade jurídica própria, doa parte de seu patrimônio passível de alienação a outra pessoa jurídica de direito público, como por exemplo nos casos de doação de Municípios para a União e vice e versa, ou nos casos de doação a eleitores.

Quanto ao caso proposto pela consulta, caso o “doador” seja a própria Secretária de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade ou qualquer outro órgão da administração pública estadual direta, pelos termos nela definidos não haverá a ocorrência da conduta vedada nos termos da resposta de número “3)” acima. Isso pois, a Semas e todos os demais órgãos integram a mesma pessoa jurídica, o Estado do Pará.

Na administração pública direta, possuem personalidade jurídica tão somente a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, as quais podem, a seu modo, criar determinados órgãos públicos —como as Secretárias de Estado— para desempenhar funções determinadas. Os órgãos somente serão manifestações das vontades e desígnios da pessoa jurídica de direito público a qual ele estará vinculado, não podendo eles, por esse motivo, possuir patrimônio, o qual é, como visto, condição sine qua non para que haja sequer a possibilidade de doação.

Essa interpretação, também denominada “teoria do órgão”, foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio, fixando-se, então, a tese de que os órgãos públicos não são pessoas jurídicas capazes de possuir e agir sobre patrimônio de sua propriedade, estando restritos a atuar na gestão e emprego do patrimônio da pessoa jurídica a qual está ligado. Cito a título de exemplo os seguintes julgados:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ALEGADA ILICITUDE POR AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DOS AGENTES POLICIAIS DA DELEGACIA DE ESTRELA D'OESTE. TEORIA DO ÓRGÃO. PLEXO DE ATRIBUIÇÕES. COMPOSIÇÃO. EXERCÍCIO PELOS AGENTES PÚBLICOS. LEI N. 9.296/1996. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. A Teoria do Órgão ou da Imputação, idealizada por Otto Gierke e adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, estabelece que o agente, que manifesta a vontade do Estado, o faz por determinação legal. Em outras palavras, as ações praticadas pelos agentes públicos são atribuídas à pessoa jurídica a qual vinculados. 3. A autorização judicial de quebra do sigilo telefônico em relação ao paciente foi devidamente conferida à Polícia Civil do Estado de São Paulo, não se demandando, para tanto, a indicação de determinado agente público para a realização da medida. 4. A disposição interna do órgão de segurança e a distribuição das atividades vocacionadas legalmente não tem interferência na higidez da medida, simplesmente pelo questionamento da sua execução por determinado agente público integrante do ente autorizado judicialmente, no caso, a Polícia Civil do Estado de São Paulo. 5. O inciso XII do art. 5º da Constituição Federal assegura o sigilo das comunicações telefônicas, de modo que, para que haja o seu afastamento, é imprescindível ordem judicial, devidamente fundamentada, segundo o comando constitucional estabelecido no art. 93, inciso IX, da Carta Magna. 6. O art. 5º da Lei n. 9.296/1996 determina, quanto à autorização judicial de interceptação telefônica, que "a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova". 7. No caso em exame, verifica-se o preenchimento dos requisitos legais da Lei n. 9.296/1996, de modo que resta incólume o processo penal, porquanto atendidos os ditames estabelecimentos no ordenamento jurídico que conferem validade ao instrumento de realização da busca da verdade real e da responsabilização penal. 8. Writ não conhecido. (STJ - HC: 474934 SP 2018/0275712-8, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 06/06/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2019).


DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CREA/AM. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ATO DO DIRIGENTE DA AUTARQUIA. TEORIA DO ÓRGÃO. NULIDADE DA SENTENÇA NÃO CARACTERIZADA. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. FIXAÇÃO EM VALOR RAZOÁVEL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ARTIGO 21 DO CPC/73. APELAÇÕES DESPROVIDAS. SENTENÇA CONFIRMADA. I - Em matéria de responsabilidade civil do Estado, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria do órgão (teoria da imputação volitiva) de Otto Gierke. Para esta teoria, os atos praticados pelos agentes públicos são atribuídos à pessoa jurídica da qual faz parte. II - O Estado responde, em regra, objetivamente e com fulcro na teoria do risco administrativo. Isso quer dizer que a Administração Pública deve reparar os danos causados por seus prepostos, sem prejuízo de eventual e posterior direito de regresso, em caso de dolo ou culpa. III - O Magistrado não está vinculado aos fundamentos trazidos pelas partes, podendo atribuir ao fato conformação jurídica diversa da pretendida pelas partes, desde que de forma fundamentada. Assim, não há que se falar em sentença nula, porquanto está devidamente fundamentada, mesmo que se valendo de razões jurídicas diversas. IV - Inocorrência de prescrição quando, a certeza dos fatos constitutivos do direito alegado pelo autor só foram esclarecidos em momento posterior à instauração de processo administrativo. Princípio actio nata. V - Em regra, o quantum indenizatório toma por referência a extensão do dano (art. 944 do CC). Não obstante, em se tratando de dano moral, dada ausência de sua tarifação ou indexação, são consideradas circunstâncias tais como a intensidade e duração da lesão a direitos da personalidade, reprovabilidade do ilícito contratual ou extracontratual, capacidade econômica do ofensor, condições sociais do ofendido, caráter pedagógico de seu valor (Enunciado 379 da IV Jornada de Direito Civil), com destaque à proporcionalidade dos valores, que não podem dar azo ao enriquecimento sem causa. Valor da indenização condizente com a situação dos autos. VI - Acolhido em parte a pretensão indenizatória, caracterizada está a sucumbência recíproca, devendo seu ônus ser compensado reciprocamente, nos termos do art. 21, caput, do CPC, vigente na época. VII - Apelações desprovidas. Sentença confirmada. (TRF-1 - AC: 00059002620054013200, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 05/12/2018, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 18/12/2018).

REEXAME NECESSÁRIO COM RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO MONITORIA - TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA – FIRMADO POR SECRETÁRIO MUNICIPAL – TEORIA DO ÓRGÃO – COMPROVAÇÃO DA ENTREGA DOS MEDICAMENTOS – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PELO MUNICÍPIO – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – RECURSO DESPROVIDO – SENTENÇA RETIFICADA EM PARTE. A Secretaria Municipal de Saúde é órgão que pertence à Administração Pública Municipal, constituindo mera ramificação da pessoa jurídica, sendo aplicável a Teoria do Órgão, que estabelece que a vontade do órgão público é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence. A confissão de dívida assinada por Secretária Municipal de Saúde é documento hábil para fazer prova em Ação Monitória. (TJ-MT - APL: 10018785820178110003 MT, Relator: GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 01/07/2020, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 08/07/2020). 

Assim sendo, uma vez que a Semas ou os demais órgãos da administração pública estadual direta não são pessoas jurídicas autônomas, mas sim componentes funcionalmente diferenciados da mesma personalidade, segue-se que não haverá doação em sentido estrito entre eles, mas tão somente uma transferência de recursos dentro de um mesmo patrimônio.

Por conseguinte, não incorrerá em conduta vedada o órgão público estadual que realize a cessão de madeiras para outros órgãos públicos estaduais da administração direta, haja vista não se tratar especificamente de doação mas do manejo de recursos no interior do patrimônio pertencente à pessoa jurídica de direito público do Estado do Pará.

No caso de as doações se darem entre pessoas jurídicas de Direito Público, em geral compreendo não haver igualmente a incidência da conduta vedada prevista no §10 do artigo 73 da Lei das Eleições. Isso se dá por dois motivos:

Primeiramente, ao se considerar a ratio essendi da norma em questão, logo ela se revela como a proteção da igualdade de oportunidade entre os candidatos em uma determinada disputa eleitoral. O bem jurídico por ela tutelado é justamente a integridade e a lisura do pleito ao impedir os gestores públicos de se utilizarem da máquina pública pela qual são responsáveis para alavancarem as chances de um candidato a cargo eletivo de modo que o beneficiário obtenha injusta vantagem sobre os demais por conta de sua posição na administração pública.

Desse modo, ainda que não seja exatamente a situação da presente consulta, caso um Município, por exemplo, doe um imóvel para a União, não se pode afirmar que tal ato interferiria na disputa seja municipal ou nacional, haja vista não estar se tratando do oferecimento de benefícios a eleitores com o fito de os fidelizar e garantir maior apoio na corrida eleitoral. Apesar de não estar expressamente prevista a exceção de doações entre entes federativos, uma vez que não ofende ao bem jurídico tutelado pela norma, não observo impedimento à realização de tais doações desde que não incluam o oferecimento de bens ou benefícios a eleitores de modo a impactar na igualdade de oportunidade entre os candidatos de um pleito.

Nessa linha, já entendeu o TRE-MT em consulta recente: 

CONSULTA. REQUISITOS. ART. 30, VIII, DO CÓDIGO ELEITORAL. LEGITIMIDADE. AUTORIDADE. PREFEITO MUNICIPAL. EXAME LEGALIDADE. JUSTIÇA ELEITORAL. SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. ART. 73, § 10, DA LEI DAS ELEICOES C/C ART. 73, INCISO VI, ALÍNEA A. DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL DO MUNICÍPIO PARA O ESTADO. ANO ELEITORAL. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA AFIRMATIVAMENTE. 1. "Por se tratar de norma limitadora de direitos, a sua interpretação, quanto ao resultado, deve ser necessariamente restritiva. (...)"Não há ilicitude na doação de imóvel do Município à União, uma vez que não tem objetivo de satisfazer interesses privados ou beneficiar eleitores, a fim de obter vantagem política, mesmo se a doação ocorrer após o início do período eleitoral." (CTA nº 222-36.2012, TRE/MT) 2. Consulta conhecida e respondida. (TRE-MT - CTA: 60024634 CUIABÁ - MT, Relator: JACKSON FRANCISCO COLETA COUTINHO, Data de Julgamento: 04/08/2020, Data de Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 3219, Data 07/08/2020, Página 5).

Apesar de o caso da consulta sob exame não ser a doação de imóveis, a interpretação acima parece servir a ambos, em se considerando que se trata de doação de bens entre pessoas jurídicas de direito público sem que haja finalidade eleitoral por detrás do ato.

A segunda razão para não se considerar doações de madeira entre pessoas jurídicas de direito público é o fato de que há vedação expressa de algumas modalidades desse tipo de transação no mesmo art. 73, VI, a), da Lei 9.504/97. Transcrevo o trecho relevante:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

  1. a)realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

O diploma traz, portanto, a proibição da transferência de recursos somente entre alguns entes da federação (União-Estados, União-Municípios e Estados-Município) apenas nos três meses anteriores ao pleito, de modo que se percebe a intenção do legislador de tratar tais transações diferentemente daquelas vedadas no § 10. Reina aqui um outro prazo de proibição e somente serão nulas as transferências realizadas em determinados sentidos, sendo lícito, por exemplo, a transferência de recursos —como madeira— do Estado para a União mesmo depois do prazo previsto.

Com efeito, desde que respeitados os limites expostos no VI, a) do artigo 73 da Lei 9.504/97, não entendo haver ocorrência de conduta vedada caso haja doação de madeira a órgãos públicos estaduais quando feitos por órgãos vinculados a outras pessoas jurídicas de direito público, que não sejam realizados no prazo vedado em lei.

Diante do exposto, conheço da presente consulta por nela vislumbrar todos os requisitos do art. 30, VIII, do Código Eleitoral e a respondo da seguinte maneira:

Há a possibilidade de se realizar a doação de madeira para programas executados por órgãos públicos estaduais sem repercussão eleitoral dentro do ano eleitoral por outros órgãos públicos estaduais da administração direta, sem que ocorra violação do art. 73, §10, da Lei 9.504/97, haja vista ambos estarem lidando com o mesmo patrimônio pertencente à pessoa jurídica do Estado do Pará.

No caso de se tratar de órgãos vinculados a outras pessoas jurídicas de direito público, também é possível a doação de madeiras em ano eleitoral desde que respeitadas as balizas impostas pelo art. 73, VI, "a", da Lei nº 9.504.

É o voto.

Belém, 5 de abril de 2022.

Juiz Rafael Fecury Nogueira

Relator Originário

CONSULTA (11551) nº: 0600050-12.2022.6.14.0000.
CONSULENTE: ESTADO DO PARÁ. 

VOTO VENCEDOR

O Senhor Juiz Álvaro José Norat de Vasconcelos (Relator Designado): Após ouvir atentamente o luzídio voto do sr. juiz Rafael Fecury Nogueira, ouso divergir quanto ao recebimento da consulta, por entender que se trata de uma consulta a um caso concreto, devendo por isso não ser conhecida.

Entendo que a as autoridades públicas e partidos políticos podem fazer questionamentos em tese à Justiça Eleitoral. Trata-se da consulta, a qual deve versar sobre situações abstratas em que não é possível identificar nomes, locais, pessoas ou situações específicas, assim, não havendo a abstração desta o Tribunal não deve conhece-la. Pois trata-se de um caso concreto. Voltemos a consulta, para melhor entendermos o caso, cito-a:

Senhora Presidente,

Cumprimentando-a, no interesse de sanar dúvida acerca de doação de bens pela administração pública em ano eleitoral, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade – SEMAS, solicita consulta se há possibilidade, dentro da interpretação deste Tribunal Regional Eleitoral, de doação de madeiras para fins de suprir demandas de programas.

No caso a legislação aplicada ao caso está elencada no art. 30 do Código Eleitoral combinado com o art. 71 do Regimento Interno do TRE/PA, que nos diz:Código Eleitoral.

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

(...).

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político;

Regimento Interno do TRE/PA.

Art. 71. Compete ainda ao Tribunal:

(...).

X – responder sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou Partidos Políticos;

Art. 172. O Tribunal responderá às consultas sobre matéria eleitoral formuladas em tese, por autoridade pública ou partido político, sendo vedada a sua apreciação durante o processo eleitoral.

Nesse sentido, as consultas formuladas à Justiça Eleitoral devem preencher os seguintes requisitos:

a)    tratar a consulta sobre matéria eleitoral formuladas em tese;

b)   ser realizada por autoridade pública ou partido político; e,

c)    as consultas não poderão ser apreciadas durante o processo eleitoral.

No caso ora em exame, a consulta não preenche o requisito da alínea “a” elencado acima. A questão do caráter abstrato do expediente necessita ser analisada com cautela para que não seja utilizado indevidamente em situação que, em verdade, configura-se como concreta.

A pergunta é bastante específica e guarda estreita relação com as Eleições de 2022 que se aproximam. Percebe-se que a doação será realizada por uma pessoa jurídica específica Secretária de Meio Ambiente, bem como a identificação do bem doado “madeira”.

Ora, apesar de aparentemente existir situação em tese na consulta formulada, vislumbro a pergunta como substancialmente concreta, sob um verniz de abstração. O caráter abstrato necessário para o conhecimento da consulta, portanto, inexiste.

A jurisprudência da Corte Superior Eleitoral orienta nesse sentido, vejamos:

CONSULTA. EXERCÍCIO INTERINO. DECISÃO JUDICIAL. CARGO DE PREFEITO. BREVE PERÍODO. ELEGIBILIDADE. NOVO MANDATO. CASO CONCRETO. MATÉRIA JÁ RESPONDIDA. NÃO CONHECIMENTO.

  1. Não cabe resposta a questionamento formulado com evidências de caso concreto. Precedentes.
  2. Ademais, hipótese semelhante já foi enfrentada pelo Plenário deste Tribunal Superior, o que demonstra tratar-se de mera reiteração e, também, impede o conhecimento da consulta.
  3. Consulta não conhecida.

(Consulta nº 41382, Acórdão de 01/12/2015, Relator(a) Min. ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 50, Data 14/03/2016, Página 74).  

PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONSULTA. GRATIFICAÇÃO ELEITORAL. GRATIFICAÇÃO DE PRESENÇA. PAGAMENTO CUMULATIVO. JUIZ AUXILIAR. PROCURADOR AUXILIAR. SUBSTITUTO. PARTICIPAÇÃO EM SESSÃO. TRE/SC. PARTE ILEGÍTIMA. MATÉRIA ADMINISTRATIVA. CASO CONCRETO. NÃO CONHECIDA.

Consulta formulada por parte ilegítima, que trate de matéria administrativa ou que vise à solução de caso concreto, não deve ser conhecida.

Processo Administrativo nº 56652, Acórdão de 01/10/2014, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 207, Data 04/11/2014, Página 153).

 

Respostas a consultas formuladas à Justiça Eleitoral com questionamentos concretos levam à conclusão de que esta Justiça poderia se transformar em órgão de assistência jurídica, o que é inadmissível.

Com essas considerações, ACOLHO a preliminar de NÃO CONHECIMENTO da consulta, pois ausente pressuposto de admissibilidade, na medida em que a consulta se mostra revestida por um caso concreto e não formulada hipoteticamente, conforme prescreve o artigo 30, inciso VIII, do Código Eleitoral e o artigo 172 do Regimento Interno do TRE/PA, pois a comprovação de sua ocorrência demandaria a verificação de circunstâncias do caso concreto.

É o voto.

Belém, 5 de abril de 2022.

Juiz Álvaro José Norat de Vasconcelos
Relator Designado

*Este texto não substitui o publicado no DJE TRE-PA de 2.6.2022

ícone mapa

Rua João Diogo, 288, Campina - Belém-PA - CEP 66015-902

Horário de atendimento: 8h às 14h

CNPJ do TRE-PA: 05.703.755.0001-76

Telefone: (91) 3346-8000 - Mais informações

Ouvidoria: (91) 3346-8037 - Mais informações

Protocolo Geral: (91) 3346-8769

Ícone Protocolo Administrativo
Disque-Eleitor
Atendimento: 8h às 14h - Telefone: 148

Atendimento Digital - Assistente Virtual Bertha
Whatsapp: (91) 3346-8000 / Webchat
Ícone horário de funcionamento dos protocolos
Telefone e endereço das Zonas Eleitorais
Atendimento ao público: 8h às 13h

 

Acesso rápido

Política de Privacidade

O Portal do TRE-PA utiliza cookies para melhorar sua experiência no site. Se você prosseguir na navegação, entendemos que está de acordo com a nossa Política de Privacidade .

Gerenciar preferências

Gerenciar preferências

Usamos cookies para melhorar sua experiência, personalizar conteúdos e analisar o tráfego. Você pode gerenciar suas preferências abaixo e escolher quais categorias deseja permitir. Sua privacidade é importante para nós.